Dylan Cuthbert
A criação de Eden - Parte 2



COREgaming - 22 / 01 / 09

 

Fundador do estúdio Q-Games, localizado em Quioto, Dylan Cuthbert possui um currículo invejável que inclui a criação de alguns dos jogos mais inovadores de sempre. Fascinado desde cedo pelo apelo dos gráficos em 3D, integrou no extinto estúdio Argonaut Software onde programou, para o espanto de todos, o primeiro título inteiramente tridimensional para uma consola portátil.

Este jogo revolucionário de Game Boy, com o despretensioso título X, funcionou como um passaporte de Inglaterra para o Japão, uma vez que a Nintendo se sentiu obrigada a explorar e apoiar o potencial deste jovem designer. Uma vez instalado em Quioto foi-lhe concedido o objectivo de construir, sob a direcção artística de Shigeru Miyamoto, um programa que permitisse à Super Nintendo o desenho de gráficos 3D em tempo real: o resultado foi o vanguardista STAR FOX, jogo que mais tarde se iria tornar o primeiro episódio de uma série altamente respeitada.

Após ter abandonado a Nintendo, Cuthbert contribuiu para um número relevante de projectos dedicados à Sony Computer Entertainment, centrados na pesquisa de recursos tecnológicos e a programação de demonstrações de hardware. A sua peculiar apresentação DUCK-IN-A-BATH encantou o público e a imprensa especializada aquando da revelação da Playstation 2 durante a E3 de 2000.

No seguimento da sua colaboração no jogo PIPOSARU 2001, Cuthbert uniu-se a Kenkichi Shimooka para a fundação do estúdio Q-Games, grupo que tem vindo a servir os dois fabricantes de consolas mais importantes do Japão. A sua nova e original série de jogos, com o rótulo Pixel Junk, concentra-se por completo num mercado de jogos disponibilizados exclusivamente online, ao mesmo tempo que visa retirar o máximo partido da tecnologia dos ecrãs HD.

Distinto de RACERS e MONSTERS, o mais recente lançamento do estúdio inclui a participação especial do artista Baiyon, já entrevistado no passado mês de Novembro para a primeira parte deste artigo. De forma a compreender mais acerca de EDEN, tive a oportunidade de entrevistar o próprio Dylan Cuthbert, director do projecto, o qual interroguei acerca das perspectivas e motivações que sustentam a Q-Games. A ele lhe envio os meus sinceros agradecimentos pelo tempo dispensado a responder da melhor forma às minhas perguntas.

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COREGAMERS : Uma das mudanças mais impressionantes da indústria dos jogos de vídeo nos últimos está relacionada com o crescimento do mercado de jogos independentes onde pequenos, porém brilhantes estúdios e criadores são financiados por empresas de grande perfil. Onde é que a Q-Games se situa neste mercado?

Dylan Cuthbert : A Q-Games foi concebida no sentido de desenvolver jogos pequenos e médios, e não os grandes blockbusters que originam nos estúdios de maiores dimensões. Isto acontece sobretudo porque eu, pessoalmente, não quero desenvolver esse tipo de grande jogo.

Prefiro muito mais fazer jogos mais pequenos e “concisos”. Penso que estes jogos de menor dimensão estão no mesmo local onde tudo começou e que são naturalmente mais agradáveis de trabalhar para os criadores. Suponho que essa é a grande diferença entre os grandes filmes de Hollywood e os filmes art house.

Atrás (da esquerda para a direita): Paul Leonard, Jerome Liard, Dylan Cuthbert, Andy Palmer, Hattori Akiko e Tanizeki Jiro. Fila do meio: Itou Shinnosuke, Paolo Carabaich, Tominaga Shoichi e Trickey Barret. Na frente (da esquerda para a direita): Erin Houston, Ishida Yuuki, Murakami Satoshi, Yoshida Kentaro, Sawa Tatsurou e Naoki Kinoshita

CG : Ao pesquisar a história do estúdio, descobri que foi responsável pela criação do título DIGIDRIVE da série BITGENERATIONS. Uma vez que a maioria dos títulos deste grupo foram criados pela skip, Ltd., gostaria de saber como a Q-Games se envolveu neste projecto?

DC : Sim, nós estávamos a desenvolver aquele jogo independentemente da série Bit-Generations e a Nintendo decidiu incluir-nos porque o estilo era semelhante. Nós retocámo-lo de forma a adaptar-se um pouco mais ao estilo da série.

CG : Os gráficos 3D foram uma tecnologia de ponta que permitiu à Argonaut criar jogos revolucionários tais como STARGLIDER ou, no caso dos jogos que criou, clássicos memoráveis como X e STARFOX. De acordo com a página da Q-Games, a companhia tem demonstrado diversos esforços na pesquisa de tecnologias 3D modernas, nomeadamente para a produção de demonstrações de hardware. Porque é que esta investigação é tão importante no contexto da indústria de videojogos actual?

DC : Eu penso que a experimentação é um aspecto chave da criação de jogos – isto não significa necessariamente a produção de gráficos ultra realistas, mas sim de um ponto de vista da arte. A Arte pode ser descrita como experimentação visual – se não estamos sempre a tentar descobrir algo deixamos de ser artistas.

Portanto neste sentido, a nossa pesquisa de tecnologia é uma forma de procura por novos recursos com os quais possamos trabalhar e a tentativa de encontrar novas formas artísticas. Se nos esquecemos de continuar a procurar deixamos de ter relevância como criadores, penso eu.

CG : A apresentação Duck-in-a-bath para a PS2 é um dos mais populares e sensacionais trabalhos vindos do seu estúdio: uma simples demonstração que acabou não só por dar origem a uma semelhante apresentação para a demonstração da PS3 anos depois, assim como um jogo completo para download para este mesmo sistema. Como é que a equipa se sentiu face a este fenómeno estranho e imprevisível?

DC : Bem, essa demonstração foi inteiramente da minha criação pessoal quando eu estava a trabalhar na SCEJ. Foi concebida utilizado superfícies curvas e parecia incrível na altura (é claro que a maioria das pessoas não se aperceberam disto). Fico contente pelo facto destas imagens se terem perpetuado mas penso que já é tempo de lhes darem descanso ou pelo menos fazer algo realmente novo com elas. (a demo de PS3 não era nada de especial, a meu ver – os patos eram simples modelos poligonais).

CG : Por outro lado, o seu último trabalho na série Pixel Junk está mais focado no poder visual da alta resolução, gráficos vectoriais 2D tais como os vistos em MONSTERS ou EDEN. Pode-me explicar a decisão por detrás desta mudança radical na orientação do seu trabalho?

DC : Com a popularidade dos televisores de alta-definição mais e mais pessoas ligam os seus ecrãs utilizando HDMI, por isso existe a possibilidade de lhes oferecermos cores reais e imagem de alta qualidade e precisão. Nos jogos 3D, com muita frequência, as texturas aplicadas nos polígonos são de uma resolução muito inferior, quase qualidade SD quando comparadas com a resolução da TV e isto é um grande desperdício na minha opinião. Por isso eu criei a série Pixel Junk com a inteção de dar vida aos gráficos e cores Full-HD para todos.

CG : O jogo Pixel Junk RACERS parece-me totalmente inesperado, apresentando uma mecânica de jogo que em nada de assemelha ao modelo ensaiado no comum jogo de condução de carros: pode-me explicar a origem deste conceito único?

DC : Esta é uma ideia que eu tenho vindo a germinar há vários anos, estando mais próxima do jogo puzzle do que um jogo de corridas de certa maneira. Quis simplesmente fazer um jogo onde se corre através do tráfego através de um esquema de controlos simples (esquerda/direita).

CG : O segundo título da série, MONSTERS, é frequentemente descrito como um jogo tower strategy com um sentimento muito familiar, ainda que demonstre um desenho de personagens e sentido de humor muito peculiar. Quais as suas inspirações principais para este desenho?

DC : Aqui no escritório todos adoramos jogos RTS, jogamos COMMAND & CONQUER (RED ALERT 3 neste momento) sempre durante a hora de almoço e eu tenho sido um fã da série desde o seu lançamento. Depois houve o fenómeno internet do tower defense que veio originalmente dos mods criados para WARCRAFT e STARCRAFT, etc.

Eu gostei bastante destes jogos mas senti que algo estava a faltar – um sentido se si, penso eu, portanto repensei tudo e resolvi criar um jogo com uma personagem principal e dinheiro que o jogador deve recolher: e mesmo a parte de dançar nas torres foi pensada logo de início.Também tentei pensar numa maneira de limitar a forma como jogador podia evoluir de uma maneira natural, de forma a podermos desenhar fases interessantes para ele, e foi daí que veio o conceito das árvores.

CG : O seu ultimo jogo, EDEN, é um exemplo marcado de como um ambiente vectorial, com a ajuda de formas dinâmicas e uma banda sonora pulsante, pode criar uma experiência singular que a maioria dos jogos comerciais não consegue. A participação do artista Baiyon, também de Quioto, parece determinante na criação deste projecto: como é que a equipa se aproximou deste artista multimédia?

DC : Conhecemo-nos numa festa de natal perto dos nossos escritórios inicialmente e depois começámos a falar sobre a série Pixel Junk (isto foi mesmo antes de RACERS ter começado a ser produzido), e depois uma coisa levou à outra e começámos a discutir ideias para a frente e para trás durante seis meses após o encontro inicial.

Baiyon é interessante porque ele é muito específico no que diz respeito a cor, por isso é muito possível que ele e a PS3 tenham sido uma conjunção perfeita pois não penso que ele teria gostado de trabalhar com as velhas cores analógicas que temos vindo a usar até agora.

CG : A experiência em EDEN é possível de se descrever como nova e altamente engenhosa, permitindo diferentes jogadores partilhar da experiência. Quais as origens deste sistema de jogo pouco comum?

DC : A jogabilidade foi desenvolvida através de um difícil processo de tentar novas ideias, reuniões criativas, dispensar ideias que não trabalhavam, etc., até ao ponto em que encontrámos o balanço certo de ritmo e desafio. Isto foi um processo que durou até à última semana em que o jogo esteve em produção enquanto aprumávamos tudo o máximo que podíamos.

CG : EDEN é um jogo abstracto e aparentemente sem temática. Qual a sua interpretação pessoal e filosófica desta experiência?

DC : Eu imagino que EDEN envolve uma personagem algo transcendental (grimp) que viaja em diferentes dimensões para recolher spectra roubado pelos prowlers de forma a dar de novo a vida a um jardim devastado.

O oscilador no fundo do ecrã representa o tempo que resta ao personagem naquela dimensão. Num nível filosófico não penso existir grande profundidade, mas de um ponto de vista artístico penso que podemos absorver a melancolia e tom ligeiramente erótico do jogo (penso que muito disso deriva do Baiyon).

CG : Presumo que a Q-Games tenha alguns projectos novos planeados para o futuro: pode-me dar uma breve introdução aos objectives e marcas que o estúdio pretende alcançar no futuro?

DC : Bem, gostaríamos de lançar três jogos no próximo ano (pelo menos) e um deles será o Pixel Junk MONSTERS da PSP, no qual estamos a adicionar 50% de conteúdo ou mais. Isso deverá permitir que os jogadores se possam divertir bastante com o jogo numa plataforma portátil. Os outros dois títulos serão, espero eu, o 1-4 e 1-5.

CG : De facto o estilo de jogo faz bastante sentido quando projectado para a PSP. Como alguém que conhece por dentro o hardware da consola, pergunto se seria possível ver um jogo complexo como EDEN a correr neste sistema?

DC : MONSTERS é um jogo mais simples e por essa razão mais simples de correr na PSP ainda que um número de efeitos ambientais devam ser removidos ou reduzidos. Quanto a EDEN, faz de facto uma utilização exaustiva dos SPUs para as partículas e também a simulação física de tantas plantas também seria muito difícil de adaptar. Nunca dizer nunca, claro, mas penso que seria um grande desafio e muitas coisas teriam de ser alteradas.

CG : Por fim, GAIA é um das mais surpreendentes aplicações da PS3, demonstrando visuais de alta qualidade e uma apresentação sofisticada. Qual o percurso por detrás desta aplicação hipnotizante?

DC : Nós criámos este programa (rendered earth music visualizer) inicialmente como a sequência de boot para a PS3, mas o Kutaragi decidiu escolher algo muito mais simples e veloz, por isso o projecto foi colocado na dispensa por uns tempos.

Contudo, continuámos no processo de o melhorar e desenvolvemos internamente uma versão em alta definição com controlo de zoom para se aproximar a algo do género de um Google Map, mesmo que não houvesse ideia alguma do que fazer com aquilo. Portanto no fim acabámos por lançar uma versão reduzida que pudesse ocupar o ROM da PS3 e é isso que os utilizadores da consola têm agora. Mesmo a versão reduzida é muito interessante. Talvez encontremos uma razão para lançar a versão completa no futuro, mesmo que sejam muitos dados e um download muito pesado.

( ver também: A criação de Eden Parte 1 - Entrevista com Baiyon )


Lista de jogos

X (1992, Game Boy)

De contornos semelhantes ao clássico arcade Battlezone, X, desenhado por Dylan Cuthbert para o Game Boy, foi o primeiro jogo tridimensional para uma consola portátil. Perante este feito incrível, a própria Nintendo ofereceu-se para editar o jogo da Argonaut Software.


Star Fox (1993, Super Nintendo)

De forma a combater a escalada de jogos 3D no mercado, a Nintendo encomendou a Dylan a pesquisa tecnológica necessária para a criação de Star Fox, um projecto conjunto da Argonaut e da Nintendo.


Star Fox 2 (Unreleased, Super Nintendo)

À semelhança do episódio de Virtual Boy e um lançamento arcade, Star Fox 2 foi um projecto cancelado pela Nintendo, possivelmente derivado da inviabilidade do produto na altura em que o projecto foi concluído.


Blasto (1998, Playstation)

Após ter abandonado a Nintendo, Cuthbert juntou-se à Sony na altura em que a empresa lançava no mercado a sua novíssima Playstation. Blasto é um jogo de acção e plataformas totalmente em 3D, de novo uma montra técnica impressionante dada a altura em que foi lançado.


Duck-in-a-bath (E3 2000, Playstation 2)

Para a inauguração do hardware da PS2, Cuthbert criou uma pequena mas curiosa apresentação com o nome de Duck-in-a-bath, um dos momentos altos da E3 de 2000.


Piposaru 2001 (2001, Playstation 2)

Dando continuação ao grande êxito da Playstation, Piposaru 2001 é uma sequela espiritual do bem conhecido Ape Escape. Este foi, de resto, o primeiro trabalho conjunto de Cuthbert e Kenkichi Shimooka, os dois fundadores da Q-Games.


Digidrive (2004, Gameboy Micro)

Digidrive foi o título de estreia da Q-Games, marcando o regresso do designer inglês aos trabalhos para consolas Nintendo. Devido ao seu estilo incomum, Digidrive foi adaptado e posteriormente incluído na respeitada série Bit Generations.


Star Fox Command (2006, Nintendo DS)

Retomando a velha série que tinha ajudado a iniciar em 1993, Star Fox Command apresenta um conceito alternativo de jogo mais propício ao formato de consola portátil, mantendo intacto o espírito que eternizou o jogo original.


Pixel Junk Racers (2007, Playstation 3)

Iniciador da série Pixel Junk, Racers é um título que evoca o espírito de alguns jogos de arcada da golden age encontrando-se, portanto, muito distante da noção corrente de "simulador de automóveis".


Pixel Junk Monsters (2007, Playstation 3)

Motivados pela tecnologia de gráficos em alta-definição, a equipa da Q-Games expressa também em Monsters o seu apreço por jogos de estratégia em tempo real naquele que é o segundo título no âmbito do projecto Pixel Junk.


Gaia (2007, Playstation 3)

Inicialmente um projecto sem um rumo definido, Gaia tornou-se um plug-in visual de qualidade superior oferecido aos utilizadores PS3. Enquanto as faixas de música são reproduzidas, o ecrã varia entre diferentes posicionamentos de câmara em redor de uma hipnotizante representação do globo terrestre.


Pixel Junk Eden (2008, Playstation 2)

Dotado de uma estética rara, Eden representa o pico criativo do estúdio, já tendo arrecadado uma série de prémios e nomeações, com maior incidência nas categorias de excelência audiovisual onde o jogo atinge níveis inesperados para um projecto desta natureza.


 

Pixel Junk Eden

 

 
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