Kenji Eno
Feel the different culture
on the backside of the Earth



COREgaming - 21 / 08 / 08

 

III. BLISS
ENTREVISTA COM KENJI ENO

Cerca de oito anos após o seu último lançamento para a Dreamcast, Eno regressa com o anúncio de um novo jogo. Um indício precioso do seu trabalho já foi dado na sua participação no jogo NEWTONICA, para o qual contribuiu com conceitos visuais abstractos e um sugestivo tema musical de acompanhamento.

Evitando, propositadamente, o tema do seu novo projecto, respeitando o silêncio do autor, apontei para uma entrevista leve e de leitura fácil, levando o diálogo rumo a outras questões e conteúdos menos debatidos por Eno em entrevistas ou artigos prévios.

Mantive as respostas tão intactas como possível para que o leitor, também, pudesse compreender melhor a mente e expressão comunicativa de Kenji Eno. Tão apenas posso acrescentar que este trabalho conjunto foi uma das experiências mais gratificantes e emocionantes do meu percurso pelo universo vídeolúdico: Eno é, no fundo, um dos primeiros criadores de videojogos a quem ousei chamar autor.

-------------------------------------------------------------

Kenji Eno trabalhando em ENEMY ZERO no estúdio WARP.

COREGAMERS : No outro dia trocava algumas informações com o seu amigo Kenichi Nishi, o criador cujos projectos independentes, muito como a grande parte do seu trabalho, são inacessíveis ao público ocidental devido à barreira linguística. Como designer de jogos japonês, cuja maioria dos títulos nunca foi lançada fora do seu país, costuma pensar no facto de tantos jogadores europeus serem privados de tantos jogos?

Kenji Eno : Sim e não. Por exemplo, o primeiro grande título da WARP, D, tinha 4 línguas: Japonês, Inglês, Francês e Alemão. Ainda que fossem apenas quatro línguas, foi muito custoso porque eu não consigo compreender Francês ou Alemão – quase nada. Mas tive de os verificar, não apenas textos mas as vozes também.

Eu sei que existem mais (e muitas) línguas no mundo. Penso que quero que os meus jogos sejam jogados pelo máximo de jogadores possível.

Recordo-me quando era mais novo, eu via filmes franceses no meu vídeo gravador. Por não haver legendas, eu sentia-me triste. Penso que tenho de ponderar sobre este problema, obrigado.

CG : Percebe-se pela sua posição na indústria que você é um não conformista. Diz-se inclusivamente que despreza alguns aspectos deste mercado e indústria. Na sua opinião, o que oferecem os videojogos que mais nenhum outro meio oferece?

KE : Interactividade.

CG : Você foi um dos game designers pioneiros da 3DO no Japão, um pais onde havia pouco espaço para outra consola no mercado dominado pela Nintendo. Para alguns especialistas da área dos videojogos, o sistema 3DO é mais do que um fiasco colossal: trata-se do mais sagrado exemplo da visão de Trip Hawkins que procurava unificar o mercado dos videojogos, com apenas um sistema a ser produzido por diferentes fabricantes. Um dos criadores originais do hardware da consola, RJ Mical, disse uma vez que o projecto parecia “quase uma ideia do Socialismo Utópico”.

O que pensa sobre a questão de um sistema de jogos universal em abstracto, assim como à luz da “guerra das consolas” que se trava actualmente?

KE : Como disseste, a 3DO tinha uma boa visão. Essa é uma das razões pela qual criei jogos para a consola. Eu adoro o Trip Hawkins, ele está agora na Digital Chocolate. Quero vê-lo de novo.

Quanto ao episódio da “guerra das consolas”, eu penso que é difícil compreender e creio que não é muito diferente da “Guerra da Estrelas” – porque também tem mais do que um realizador. Existem várias companhias a criar plataformas, diferentes jogadores e muitas pessoas nesta indústria. Esta “guerra” ajudou na criação e ainda origina boas consolas, sabes. Podemos votar: comprando.

CG : Assumo que, como game designer experiente, também tenha jogado imensos jogos não apenas como um processo de aprendizagem mas também pelo prazer da experiência. Como um criador que ocupa a sua posição de renome, a sua perspectiva deve ser diferente daquela do jogador comum. De um ponto de vista profissional e pessoal, quais são os títulos que jogou até agora que melhor exemplificam a excelência nos videojogos e por que razão?

KE : Antes de mais, sou um criador de videojogos. Mas também sou um jogador quando jogo o jogo. Posso ter uma perspectiva diferente sobre os jogos, mas cada jogador tem uma, creio eu. Alguns criadores pensam sobre o desenho de novos jogos quando jogam um jogo, mas eu não. Eu apenas jogo. Eu apenas me divirto.

Quanto aos jogos que joguei até agora que melhor exemplificam a excelência nos videojogos… muitos jogos!

Posso dar-te três títulos que fizeram de mim um criador de jogos de vídeo.

SPACE INVADERS / Taito / Arcade

O meu primeiro grande impacto nos videojogos.
Viciei-me nele.
Senti uma espécie de nova cultura a aparecer.

PACMAN / Namco / Arcade

O primeiro videojogo, eu senti a “arte”. Como a “pop art”. Visuais, som e programa. Tão belo.

TRANSYLVANIA / PolarWare / PC

O primeiro jogo em que eu senti que estava lá. Gostei mesmo de fazer parte de uma aventura. Se não tivesse jogado Transylvania, nunca teria criado D.

CG : Mencionou dois dos primeiros e melhores exemplos da forma de videojogo nas arcadas. Mas como sabemos hoje, este tipo de entretenimento está-se a tornar secundário pois as pessoas à volta do mundo preferem encontrar-se através de jogos online do que sair de casa e encontrarem-se com os amigos nos salões de jogos, jogando ao vivo. Como tem sentido a decadência da era do jogo arcade?

KE : Eu adorava a experiência de jogar jogos arcade. Mas isso foi há muito, muito tempo atrás quando eu tinha 9 ou dez anos. Costumava jogar máquinas nas salas escuras do Japão.

Tão escuro.
Um bocadinho perigoso.
Havia muitos adultos, poucas crianças como eu. Fumo.
Bebida. Bebia.
Conversar.
Os sons das máquinas de jogos.

Essa é a cultura que eu adorava.

Jogos online? – Demasiado diferente.

CG : Uma das melhores memórias que tenho dos seus jogos da WARP, como o D e ENEMY ZERO, residem no destaque dado aos criadores por detrás do projecto. Como deve compreender, essa iniciativa foi muito importante para jogadores como eu que sempre quiseram saber um pouco mais sobre o que se passa nos bastidores. Até que ponto acha importante que os autores de videojogos assumam o seu trabalho, da mesma forma que os músicos e realizadores se responsabilizam pelos seus álbuns e filmes?

KE : Quando eu estava a criar o meu primeiro grande título, D, nem eu nem a WARP eram famosos. Ninguém me conhecia. Sem haver sucesso, eu teria de encerrar o estúdio. D foi o meu primeiro e ultimo jogo no qual eu joguei e arrisquei enquanto o criava.

Mas não havia uma personagem famosa. Não era uma sequela, nem um título convertido. Não havia muito dinheiro para fazer publicidade. Não tinha outras formas de me fazer conhecer entre os jogadores senão dissesse algo (acerca de mim) nos jogos.

Depois do CD-ROM se tornar o formato dominante, em vez de cartuchos (cassetes) ROM, há um novo “mundo” e mais histórias a crescer dentro dos videojogos: estes mundos são entregues pelos criadores.

Acho que é uma boa forma de saber o que os criadores querem antes de se jogar.

CG : A criação de um videojogo é um processo diário de trabalho em equipa. Mas parece que você, em mais do que uma ocasião, desempenhou diferentes papéis na produção dos seus jogos, desde planeamento até à composição do acompanhamento sonoro. Quando está de mangas arregaçadas e imerso no seu trabalho, o que pensam ser as suas melhores qualidades na sua função?

KE : Em todas as vezes eu faço aquilo que posso. Só isso.

Por exemplo, para o ENEMY ZERO, eu pedi (termo original usado por Eno: “ordenei”) ao Michael Nyman para compor. Porque senti que ele era o melhor músico para aquilo que eu estava à procura no ENEMY ZERO.

Em REAL SOUND, eu pedi ao Keiichi Suzuki, que tinha criado a banda-sonora para o jogo MOTHER, para fazer a composição e ao Yuji Sakamoto para escrever o argumento.

Sou um produtor. Eu peço a mim mesmo para desempenhar um certo trabalho se for a melhor pessoa para fazer essa parte do jogo.

CG : Olhando para trás na sua carreira até agora, compreendo que sempre abordou o seu trabalho mais na perspectiva de um artista do que um engenheiro, preso nos números e código. O seu poder criativo também se deve ter sentido muito mais livre assim que foi capaz de fundar o seu próprio estúdio e levar a cabo a sua visão subjectiva. Agora que lhe é permitido fazer jogos livremente, o que pensa conseguir atingir no futuro?

KE : Eu quero saber o que consigo fazer com os videojogos. Apenas isso.

Porque depois de 2000, fiz muitos trabalhos fora dos videojogos: planeamento, design gráfico, composições, branding, design conceptual e marketing. Fiz tudo isto para muitos clientes.

Tive muitas experiências. E agora tenho duas crianças. Envelheci.

Parte de mim mudou. Parte de mim, continua na mesma.

Eu quero saber o que posso fazer com videojogos agora, tu não?

CG : Certamente! A grande notícia por aí é que Kenji Eno está a regressar ao mundo dos jogos, após tantos anos. Em vez de perguntar sobre o seu novo projecto, por respeito ao seu silêncio, gostaria de saber do que mais sentiu falta durante a sua ausência: qual é aquele momento no processo de criação dos jogos que acha mais recompensador?

KE : Eu sinto que estou contente por poder criar um jogo agora e novamente. A maior recompensa é poder fazer o jogo com uma boa companhia. Eu agradeço realmente aos meus amigos e à minha mulher. Quando os meus filhos jogarem os meus jogos no futuro próximo, eu sentirei que estou vivo.

CG : Existe uma grande diversidade de estilos hoje em dia. Que estilos prefere?

KE : Qualquer estilo é bom.

Mas eu quero jogar algo novo. E quero jogar algo onde possa sentir os criadores.

CG : Quanto ao logótipo da WARP (sempre o achei brilhante, como que um prenúncio de algo muito bom que se aproximava). Quem o concebeu e qual é o seu significado?

KE : Eu e o designer Miyazaki da WARP criámo-lo.

O significado é tão simples!

Ao ver o logótipo da WARP, existem quatro ecrãs e quatro televisões. É como que depois da TV, como um comic de quatro fotogramas.

W: Fim da emissão da TV. Surge a mira técnica.
A: Depois da mira técnica, o ruído visual.
R: Oh, eu jogo um jogo… é um jogo tipo antigo.
P: Entediante. Desligar.

CG : Esta pergunta é um lugar-comum: nas revistas da altura, o jogo D-2 foi exibido como um projecto de M2 antes de sequer se ter ouvido falar na Dreamcast. Ainda guardo algumas revistas que mostram algumas imagens do jogo. Recordo-me de um jardim, um personagem com uma espada, uma armadura prateada e um homem barbudo. Pelas imagens via-se que o jogo tinha um ambiente impressionante. Como era o D-2 na M2?

KE : O D-2 na M2 era como um jogo de acção e aventura. Como o Zelda.

Preferia não me recordar acerca da história do jogo porque não existe nenhum D-2 para M2. Ninguém o pode jogar, nem eu. É muito triste.

CG : O meu primeiro contacto com o D-2 da Dreamcast, como no caso de tantos outros jogadores, foi através do disco D-2 SHOCK!. Pela primeira vez pude experimentar o jogo. Recordo-me que dei mais atenção ao menu de sound test do que ao resto: a música era tão calma e perturbante ao mesmo tempo. Que tipo de sentimentos usou ao criar essa música? Para além da produção, sabe tocar algum instrumento?

KE : Quando componho música para os jogos, eu espero que a música que eu componha se torne bom BGM (música de fundo) e não apenas uma canção.

Costumo tocar piano e teclas com muita regularidade.

Toquei instrumentos de metal quando era mais novo, numa banda filarmónica e numa orquestra.

CG : Ao rever mentalmente os seus projectos até agora, não creio que tenha explorado alguma vez o mercado de portáteis – não pensa que este mercado seja interessante?

KE : O ecrã é demasiado pequeno para mim!

CG : Por fim, fale-me da sua vida nos dias de hoje. Com este regresso, que tipo de reacção espera do publico? Também mencionou os seus filhos anteriormente: já têm idade para jogar os seus jogos?

KE : Quaisquer reacções, por favor.

Nenhuma reacção é o pior.

O meu filho mais velho tem 10 anos. Ele consegue jogar. Esta é a primeira vez que ele vai jogar os meus jogos.

Espero que ele consiga compreender que eu sou o designer.


As faces de Kenji Eno


Kenji Eno Arrested: Enemy Zero
(anúncio de TV)


Nos bastidores: WARP staff

Sho Tateishi

Hideki Miura

Hirofumi Harashida

Hideki Sudo

Makoto Sakai

Naoya Sato

Hirohide Sugiura

Hiromi Hayashi

Norihiro Yamamoto

Yoshiaki Tonooka

Tomohiro Miyazaki

Takahiro Matsuhira

Takashi Ohtsuki

Fumito Ueda

Eitaro Suzuki

Hirohiko Sugamura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
Só serão considerados os comentários válidos. Ir para o topo da página Voltar ao início
 
COREgaming COReplay COREvision ? Arquivo Beyond Perfil Coregamers
 
 
© COREGAMER 2007 - Todos os textos e imagens originais não devem ser copiados, publicados ou modificados sem autorização prévia dos seus criadores e webmaster. WEBDESIGN, HTML e FLASH da autoria de BrunoF. Site optimizado para Mozilla FIREFOX.

Só serão considerados os comentários válidos. Ir para o topo da página