FLOWER
ENTREVISTA COM KELLEE SANTIAGO (THATGAMECOMPANY)



COREgaming - 21 / 01 / 08

 

Fundado por Kellee Santiago e Jenova Chen, a thatgamecompany é um estúdio cujas raízes se associam à Interactive Media Division da Universidade do Sul da Califórnia, onde ambos os estudantes se conheceram e trabalharam juntos em diversos projectos. Fazendo uso da Internet como rampa de lançamento, Jenova editou o seu primeiro jogo, CLOUD, desenvolvido como um projecto universitário. Baseado no bushido engine, o jogo tentava explorar as sensações de voar livremente pelos céus, com uma mecânica de puzzle game, interagindo com diferentes géneros de nuvens. O projecto tornou-se um moderado sucesso, abrindo as portas à decisão de abrir o estúdio.

Reconhecido pelo seu estilo visual pouco comum e pela experiência de jogo apaziguante, FLOW foi o primeiro jogo da thatgamecompany, inteiramente baseado na linguagem action script para Flash. Ao contrário de CLOUD, mais desenvolvido a nível técnico, este segundo projecto de Jenova Chen sugere ao jogador que se embrenhe nas águas profundas de um oceano virtual dividido em estratos, os quais vamos desbloqueando progressivamente. Dada a natureza elementar dos seres em ecrã, é igualmente possível de interpretar o espaço de jogo como uma ampliação ao microscópio de um entorno orgânico. Como em PAC-MAN, o jogador oscila entre os papéis de caçador e presa cenário de evolução e sobrevivência: o objectivo central do jogo é o de assimilar o máximo possível de outros seres de forma a atingir novos estados de evolução na escalada biológica.

Não tardou muito até que a SONY abordasse a equipa, sugerindo a edição de uma versão mais desenvolvida do projecto original, CLOUD, proposta que foi recusada uma vez que a equipa ainda não dispunha de meios suficientes para realizar um projecto dessa escala. Consequentemente, FLOW foi o jogo eleito para a primeira colaboração entre Kellee, Jenova e uma das divisões norte-americanas da SONY de maiores recursos, os estúdios de Santa Mónica.

Elevado a um novo plano audiovisual, a versão downloadable da Playstation Store de FLOW também procurou usar das funcionalidades do SIXAXIS de forma a substituir o modelo da versão original, jogado com o ponteiro do rato. Ainda que uma nova decoração tenha sido conferida a este título, a essência experimental e ambígua do jogo original subsistiu, assim como a sua estética perfeitamente única.


Recentemente, a thatgamecompany anunciou o seu segundo título para a Playstation 3, um projecto chamado fLOWER – segundo a pista visual do vídeo de apresentação, um curioso trocadilho com o título do jogo anterior. Não obstante do jogo parecer distanciar-se, quer em temática quer em sistema de jogo, de tudo o resto que esta empresa já criou, continua-se a verificar um gosto marcado por temáticas rebuscadas, em oposição à repetição dos temas rebatidos tão comuns no mundo dos jogos de vídeo. Pouco foi revelado acerca deste jogo, à excepção de uma mínima pista sobre o sistema de jogo onde será possível, especula-se, controlar pétalas de flores através de paisagens verdejantes e bucólicas, e onde os nossos movimentos estarão associados a uma componente sonora activa.

Sendo FLOWER o testemunho do poder criativo de um estúdio independente, tentámos descobrir um pouco mais a respeito do novo projecto e dos seus autores. Tivemos a feliz oportunidade de contactar Kellee Santiago e propor-lhe algumas questões, às quais respondeu com extrema simpatia e cordialidade.


COREGAMING : A thatgamecompany é um flagrante paradigma do grupo de trabalho moderno e criativo que atingiu os seus primeiros sucesso publicando os seus jogos online. Pode comentar sobre as origens do estúdio e as decisões por detrás da sua formação?

KELLEE SANTIAGO : Bem, deixa-me agradecer, antes de mais, por esse comentário maravilhoso. A maior parte dos membros da equipa da Thatgamecompany conhecem-se uns aos outros da Escola de Artes Cinemáticas da USC (Universidade do Sul da Califórnia). Apesar de termos trabalhado em muitos projectos na escola, a ideia para a Thatgamecompany surgiu durante a produção do jogo de um estudante, CLOUD. Bem, talvez a ideia de criar uma companhia não tenha surgido de todo aqui, mas a ideia de fazer estes diferentes tipos de jogos centrava-se na oferta de toda uma nova experiência emocional para começar. Para o CLOUD, a ideia era fazer um jogo que desse ao jogador o sentimento de ser uma criança, olhando para as nuvens, sonhado em pleno dia.

Liberdade absoluta: em CLOUD o jogador tem a oportunidade de voar livremente pelo céu, quase a materialização de um sonho comum à Humanidade.

Quando acabámos, não sabíamos ao certo se iria funcionar. A resposta positiva dos jogadores que se seguiu foi realmente soberba e inspirativa. Devido às reacções do público, fomos abordados por um número de editoras para desenvolver pequenos jogos experimentais para download. Desta forma, por entre tantas reacções positivas dos jogadores e o facto de termos sido contactados por tantas editoras que queriam fazer negócio connosco, o Jenova Chen e eu apercebemo-nos que tínhamos uma oportunidade para subsistir economicamente fazendo os tipos de jogos pelos quais nos sentimos apaixonados. Antes disso, imaginávamos o caminho típico para novos criadores: ir trabalhar para um estúdio maior durante uns poucos anos até termos currículo e dinheiro para conceber projectos independentes. Recrutámos, inicialmente, Nick Clark, um dos criadores da versão Flash do FLOW, e o nosso lead designer John Edwards, que nós conhecíamos de festivais de jogos independentes. Agora atingimos um grande total de oito pessoas.

Concebido em conjunto com a SONY Santa Monica Studios, a versão PS3 de flOw possui visuais impressionantes.

CG : Apesar de ter começado por baixo, o estúdio foi capaz de dar o próximo passo quando converteu o projecto FLOW de jogo Flash para um título PS3 disponível na Playstation Store. De que forma é que a Sony demonstrou o seu interesse no vosso projecto?

KS : Eles abordaram-nos inicialmente acerca do CLOUD, mas estavam primariamente interessados em nós como designers. Ofereceram-nos um contrato de três jogos para a Playstation Network – nessa altura ainda por ser anunciada ao público. Contudo, enquanto continuámos a discutir o jogo CLOUD, o Jenova e eu apercebemo-bos de que o CLOUD seria um projecto muito maior do que aquilo que estávamos preparados para fazer. Por isso propusemos o FLOW, que tinha sido colocado online recentemente e que também estava a receber um grande feedback, e eles concordaram. E estávamos mesmo muito entusiasmados de poder trabalhar com o pessoal do estúdio da Sony Santa Mónica. São uma divisão verdadeiramente talentosa e com paixão pelo seu trabalho, e eles compreenderam realmente aquilo que queríamos fazer.

CG : Apesar de manter a sua estrutura básica, a versão PS3 de FLOW acabou por ser um projecto muito mais ambicioso com visuais impressionantes e música memorável. Como foi a experiência de recriar um jogo Flash num sistema tão poderoso como a PS3?

KS : Mais uma vez obrigado pelos elogios! Pegar no jogo Flash e colocá-lo na PS3 revelou-se muito mais ambicioso do que esperávamos inicialmente. Na perspectiva da forma como se joga, ir de 2D para 3D teve enormes repercussões. Controllando cada criatura única com o controlo SIXAXIS em relação ao cursor do rato foi outra grande alteração. Estávamos entusiasmados por estarmos a tirar partido das vantagens de uma consola, mas os nossos hábitos de produção precisavam de um maior refinamento. É cómico pensar agora sobre o quão ingénuos nós éramos há apenas um ano e meio atrás! Todos dizem que lançar um primeiro título é uma experiência intensa e de certa forma assustadora, mas de facto é. Uma das coisas melhores em relação a jogos mais pequenos e descarregáveis na Internet é o facto de podermos reiterar o nosso processo mais depressa.

CG : Muitas opiniões têm sido apresentadas quanto às origens por detrás do conceito de FLOW pelo público e mesmo pelos críticos. Porém, o que é que o jogo significa para si, pessoalmente?

KS : O jogo FLOW começou como parte do projecto da Tese de Mestrado em Belas Artes do Jenova que se dirigia para a aplicação da Teoria do Fluxo de Mihaly Czimenhaly em jogos de vídeo para os tornar mais apelativos a uma maior variedade de pessoas. O jogo Flash serve para exemplificar a sua conclusão, que era dar ao jogador a habilidade de escolher o seu próprio estilo de jogo. O tom dominante de FLOW era a continuação da experiência de CLOUD – tentar oferecer um género diferente de experiência emocional num jogo. Neste caso, era uma sensação relaxante, do tipo Zen. Para mim, o que realmente se destaca em FLOW é o facto de ser uma peça tão unificada; desde a teoria por detrás do jogo, através da direcção artística, estilo de jogo, música, tudo em FLOW trabalha em conjunto para conseguir por o jogador num certo estado de mente. E ainda assim, existem diferenças subtis dentro da própria experiência.

CG : CLOUD é um jogo experimental onde o jogador controla uma personagem que voa. Por outro lado, FLOW pedia ao jogador para controlar uma criatura ambígua e elementar através do seu processo de evolução biológica. Voar livremente pelos céus e nadar no fundo dos oceanos são duas actividades que reflectem alguns dos sonhos nunca concretizados do Homem. Ao desenhar um jogo, está deliberadamente à procura de acções e situações que escapem o lugar comum Humano?

KS : Eu não creio que façamos isso deliberadamente. Contudo, nos jogos podemos dar ao nosso público uma experiência que este não consegue encontrar em nenhum outro meio. Podemos dar-lhe cenários viscerais, interactivos e no entanto completamente imaginários. Em CLOUD, por exemplo, nós podíamos ter feito um jogo no qual o jogador descansava num relvado e olhava para as nuvens passado, imaginando formas. Essa é uma experiência fantástica. Mas eu posso fazer isso na vida real, portanto por que razão fazer um jogo sobre isso? No entanto, ao deixar o jogador ser o rapaz no céu uma criatura abstracta nas profundezas de um oceano imaginário, também estou a aproximá-lo muito mais da emoção que quero que ele experimente.  

CG : Não se sabe ainda muito acerca do vosso ultimo jogo, FLOWER. A descrição do jogo fala de um conceito genuinamente original que combina música e movimento, com uma belíssima apresentação a ilustrá-lo. O que nos pode dizer acerca de este projecto e sobre o que esperam que ele seja?

KS : FLOWER começou com a inspiração de dar ao jogador um espaço onde ele ou ela se pudessem sentir seguros, tranquilos e livres. Um campo de flores emergiu, então, como o cenário para este jogo e aqueles sentimentos conduziram a sua arte e a música. Tem sido uma experiência incrível, desenvolver este género de jogo; metade do tempo pensamos que é brilhante, a outra metade pensamos que estamos estupidamente loucos por estar a fazer este projecto.

Como tem vindo a acontecer com os seus títulos anteriores, FLOWER promete ser um espaço único de abstracção, de visuais e sonoridades relaxantes, como que uma experiência terapêutica e ao mesmo tempo de fino recorte artístico.

CG : Os jogos de vídeo são um meio privilegiado onde os criadores são livres de se expressarem livremente e com poucas restrições. Porém, sendo um produto dirigido ao público, alguns criadores retraem o seu impulso criativo de forma a tornar os seus produtos mais apelativos, comercialmente. Alguma vez sentiram esse tipo de pressão no vosso estúdio?

KS : Não tenho a certeza sobre a forma como classificas os jogos como meio privilegiado. Penso que por causa das tendências de mercado das últimas duas décadas, os jogos se tornaram mais e mais restritos na sua perspectiva de criação. Mesmo hoje, o orçamento para um jogo editado em disco é por vezes exagerado, e temos de vender milhões de cópias só para não ter prejuízo. Quando esse é o caso, tens uma equipa que apenas pode fazer decisões seguras, para assegurar o lucro. Os jogos downloadable estão a começar de abalar essa situação de novo. Agora podemos desenvolver um pequeno jogo com uma pequena equipa e um orçamento reduzido de forma a poder tomar maiores riscos com os conteúdos. Quero dizer, qualquer meio é privilegiado e livre se não nos preocuparmos em ter de sobreviver à custa dele (não que eu pense que haja algo de errado nisso).

Mas sim, especialmente com os jogos, eu penso que se sente sempre alguma pressão. O teu trabalho está ligado a um público através da natureza da interactividade. Não é que seja preciso que as pessoas gostem mas… precisamos de pessoas para o jogar. Um jogo nem precisa de ser divertido, mas tem de ser apelativo de alguma forma. O que estou a tentar dizer é que penso este sentimento pode, por vezes, levar a que se façam decisões seguras. Algumas que sejam mais “apelativas e comerciais”. Tem sido um dos aspectos mais difíceis na criação de CLOUD, FLOW e FLOWER: obrigar-nos a fazer decisões que não são seguras mas que servem melhor o projecto. E eu penso que no CLOUD e FLOW se podem ver partes que sucederam nesse sentido, e partes onde seguimos pelo caminho mais seguro.


Dançando ao sabor do vento, milhares de flores e pétalas voam através de campos que se estendem até horizonte: FLOWER é uma nova manifestação de bucolismo virtual.

CG : Finalmente, o que é que pensa que os jogos de video, em geral, ainda não foram capazes de oferecer que você gostaria que eles oferecessem?

KS : Eu só queria uma variedade de emoções e experiências. Quero ser capaz de poder ligar a minha TV, acender a consola e dizer “que género de jogo é que me apetecia jogar neste momento?”. Apesar disso, o sentimento que tenho sempre é “será que me apetece jogar um jogo?”. Não quero que seja mais assim. Todos nós na thatgamecompany somos, obviamente, jogadores. Adoramos jogar jogos. Não estamos aqui para criar jogos dos quais já gostamos; apenas queremos adicionar variedade.


 

 
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