LITTLE COMPUTER PEOPLE
House-On-A-Disk



COReplay - 23 / 05 / 08

 

"We're happy to welcome you to the Activision Little Computer Research Group. As you may have read, we suspected for quite some time that there was something living inside most computers. But we didn't know who, what or how many there were. After years of research, hard work and creative speculation, we invented what finally became the turning point in this arduous investigation: The "House-On-A-Disk."

David Crane e Sam Nelson

Foi com esta breve introdução que David Crane se dirigiu aos usuários de computadores pessoais em 1985, advertindo-os par a inédita natureza do jogo que tinham acabado de adquirir: no espaço restrito de uma casa de três andares, um Humano e um cão vivem o seu quotidiano de tarefas e preocupações comuns, às quais o jogador deverá prestar o máximo de atenção de forma a poder forjar uma verdadeira amizade com um ser virtual. Para além de uma das primeiras tentativas de conceber vida inteligente e autónoma no espaço abstracto do computador, LITTLE COMPUTER PEOPLE (ou HOUSE ON A DISK) foi um exercício prático sustentado nas teorias computacionais vigentes sobre os limites da Inteligência Artificial, assim como uma ousada tentativa de quebrar o muro invisível entre a frieza dos números e código por detrás do software, e a dimensão sentimental que caracteriza o Ser Humano.

Porém, o tom da escrita do manual que introduz o jogo e as suas regras ao utilizador transparecem a clara ambição de criar um microcosmos onde a simulação excedesse as expectativas dos próprios criadores: Crane acreditava ter soprado vida a um ser preso num computador, programado para agir mediante a acracia do acaso, ainda que sujeito aos inputs do utilizador – daí a manobra semi-publicitária da Activision que, ao pedir o feedback dos seus clientes, procurava registar diligentemente os limites do seu próprio produto, algo que seria impossível no âmbito reservado dos grupos de playtesting. Cada cópia de LITTLE COMPUTER PEOPLE encerrava um ser único e distinto que se gerava na virtualidade de cada nova partida iniciada.

LCP partiu da ideia inicial de Rich Gold que procurou trazer o conceito de Pet Rock (um brinquedo popular nos Estados Unidos durante a década de 70) para um software que funcionaria de uma forma semelhante a um aquário digital. No entanto o plano foi recusado e reformulado durante cerca de um ano, período durante o qual foram adicionados novos elementos que eventualmente o transformaram num produto seguramente comercializável. A interacção passou a ser permitida através de expressões de desejo, nas quais o jogador deve exercer pedidos de forma educada, aspecto que refuta a frequente, contudo irreflectida associação aos posteriores jogos de tratamento de seres de estimação virtuais, amplamente vulgarizados em todo o mundo na década seguinte.

A entidade no ecrã revela uma vontade própria, comunicando ao jogador as suas ideias, medos e necessidades através de cartas que dactilografa na máquina de escrever. Outras manifestações de comunicação processam-se através de conversas telefónicas em que o personagem exterioriza um gibberish característico, ou inclusivamente quando ele estende o seu braço para bater no ecrã como forma de apelo. Ao jogador é permitido oferecer presentes, encomendar comida ou desafiar o ente virtual para uma partida de um jogo de tabuleiro.

A relação entre autonomia e dependência, ou seja, entre o papel preponderante das acções do jogador e do comportamento independente do ser virtual é estabelecida de forma reactiva, não obstante da evasão a um esquema imperativo e de controlo directo. Independentemente da participação do jogador, a rotina diária do personagem prossegue, respeitando o ciclo diário com horas para refeições, descanso, lazer e aprendizagem.

A boa recepção do produto no ano do seu lançamento assegurou a conversão para múltiplas plataformas além da versão Commodore, nomeadamente o ZX Spectrum, Atari ST, Amstrad CPC e mais tarde a versão Amiga, apresentando algumas pequenas inovações em relação ao código de jogo original. Incompreensivelmente, este fenómeno foi breve e apesar das boas receitas, Crane recorda (1) que muitas das ideias ficaram por se concretizar, tais como o lançamento de disquetes cheias de novos equipamentos, mobílias e utensílios que pudessem trazer um novo alento à experiência de jogo.

Outro protótipo de HOUSE ON A DISK foi a criação de um sistema que gerava personagens diferentes para cada disquete de jogo produzida, algo que mais tarde originou um serviço de recuperação de little computer persons, vulgarizado como 'o hospital', devido aos casos de sistemas mais problemáticos que danificavam os irreplicáveis ficheiros de jogo. O prodígio da Activision projectou também a imagem de um apartamento para LCPs com novas actividades e uma dimensão sociológica entre diferentes seres virtuais como forma de dar continuidade ao seu plano de jogo original.

O conceito de jogador como voyeur celebra um sistema de jogabilidade absolutamente inédito numa época em que a maioria dos produtos aspirava ao controlo absoluto: todavia, o título potenciou futuros empreendimentos de relevo como PRINCESS MAKER, no oriente, ou num caso bem mais flagrante e assumido (2), o de Will Wright e o seu blockbuster THE SIMS.

Com efeito, LITTLE COMPUTER PEOPLE permanece como um dos mais notáveis pioneiros dos novos géneros vídeo lúdicos pelo seu cariz experimental, revolucionário e inovador como a própria companhia que albergou o projecto. Mais surpreendente ainda é o contexto do ano de 85, altura em que o mercado dos videojogos sofria as consequências da sua saturação e dos exageros de algumas companhias norte-americanas – ambiente hostil que levou Crane a buscar voos mais altos, explorando as potencialidades da nova gama de sistemas informáticos para utilizadores comuns.

O seu feito não reside única e simplesmente na funcionalidade do modelo de jogo, ou mesmo na atípica jogabilidade decididamente contemplativa numa época de emoções rápidas em troca de uma moeda; antes na demanda de tornar o sistema informático um objecto familiar e acolhedor, conquanto autónomo e vivo.


(1) - DeMaria, Russel & Wilson, Johnny (2004), High Score, The Illustrated History of Electronic Games, 2nd Edition, McGraw-Hill Osborne Media, p. 227-228.

(2) - CNN.com - Sci Tech / Computing Interview with Will Wright, Jan 20, 2000

 

Little Computer People teve lançamento quase simultâneo para diversos computadores pessoais no ano de 1985, ainda que as diversas versões se distinguissem pelo formato de armazenamento de software: as versões lançadas em cassete, como o caso do ZX Spectrum, não permitiam o armazenamento da personagem entre partidas, da mesma forma que foram privadas de certas interacções entre jogador e personagem virtual.

David Crane foi um dos membros fundadores da Activision, o primeiro estúdio de produção de jogos third-party da história, inicialmente um criador de títulos em exclusivo para a companhia Atari.

Com a frente do mercado japonês a ser liderada pela Nintendo, o jogo foi convertido para a NES por via de uma subsidiária da Squaresoft que aplicou uma grande parte dos contextos de LCP num formato mais propício à cultura nipónica. Apple Town Story foi um dos poucos jogos a utilizar as funcionalidades do formato de disquete da Famicom Disk System, numa nova versão que substitui o personagem masculino por uma jovem rapariga e o seu fiel companheiro canino por um gato solitário.

A estratégia de marketing da Activision para o jogo passou pela comercialização da noção de que todos os computadores encerravam no seu interior uma forma de vida que com a aquisição deste título se poderia manifestar. Este aspecto está plenamente recriado na capa do jogo na sua versão Commodore 64, onde um personagem digital é colocado numa falsa primeira página de um jornal, sendo o "artigo" desenvolvido na parte posterior da caixa. A manobra publicitária, segundo David Crane (1) foi suficiente para dar uma pequena margem de lucro aos investidores, embora incapaz de suscitar o interesse por uma sequela que os criadores tanto desejaram.

 

 

 

 
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