Henk Nieborg
PIXEL POR PIXEL



Perfil - 03 / 01 / 08

 

Parte III
A voz da experiência

Entrevistar Henk Nieborg foi um raro prazer, uma vez que o seu nome e o do seu colega Erwin Kloibhofer vieram a ser verdadeiras referências para qualquer leitor dessa mítica revista chamada SUPER JUEGOS, onde os dois nomes nunca foram poupados dos melhores elogios. Como leitor assíduo dessa publicação e admirador profundo dos valores pelos quais esta dupla se regia, não posso deixar de expressar a minha honra e gratidão, sobretudo pela forma relaxada e informal com que comunicámos.

COREGAMING : Podes explicar-nos como começaste a trabalhar com jogos de vídeo? Houve algum momento decisivo na tua vida?

HENK NIEBORG : Sempre gostei de jogar jogos de várias formas. Criar jogos de vídeo parecia-me algo tão inalcançável por isso continuei a sonhar. Limitava-me a estudar e a fazer as minhas coisas como criança. Nunca me passou pela cabeça tal ideia até que eu conheci o programador Erwin Kloibhofer. Antes do jogo GHOST BATTLE eu nunca me dei ao trabalho de pintar nada no meu Amiga 500 porque era assustador, nessa altura, desenhar pixel a pixel na surpreendente resolução de 320x240 (risos). Comparado com o C64 foi um grande salto. De qualquer forma apercebi-me logo que podíamos fazer coisas porreiras juntos. Começámos com o Ghost Battle com aquilo que pensávamos que um jogo daquele género deveria ser. Joguei muitos jogos nas arcades como o GHOSTS ‘N GOBLINS da Capcom, e GREEN BERET da Konami e tirei a minha inspiração daí. E foi só isso, na verdade. Foi um percurso fantástico até agora, olhando para trás.

CG : Foi esse o primeiro jogo em que trabalhaste? Trata-se de um jogo muito avançado, mas também se pode ver o quanto o teu trabalho como artista gráfico progrediu. Como te sentes ao olhar para ele agora?

GHOST BATTLE foi o primeiro título ‘sério’ em que trabalhei. Ou pelo menos era essa a nossa ideia. Olhando para o jogo agora acho-o adorável, sinceramente. É óbvio que ainda tinha muito que evoluir. Mas estamos a falar de 1989, quase há 20 anos atrás. O tempo voa quando nos estamos a divertir.

CG : Criaste quatro jogos diferentes em cooperação com Erwin Kloibhofer, portanto é difícil dissociar os vossos nomes. Como é que vocês se conheceram e como foi trabalhar com ele todos esses anos?

HN : Conhecemo-nos por coincidência, através de outras pessoas. Fui apresentado ao Erwin quando ele visitou a Holanda quando ele tirou férias do país dele. Ele fez um pequeno jogo chamado “Charly” para o qual me tinha pedido para fazer um ecrã de título. E assim fiz. Trabalhar juntamente com o Erwin foi a melhor experiência da minha vida olhando para a minha carreira até agora. Nunca se tratou de dinheiro. Só queríamos tirar o máximo do hardware. O Erwin pensa o mesmo porque falei com ele recentemente. Também nunca tivemos nenhuns pensamentos sobre comercializar o nosso talento e jogos. Só fazíamos aquilo que achávamos divertido. Éramos capazes de ter recebido muito mais dinheiro disto, mas isso teria tirado todo o prazer. Uma loucura, não? Tão louco que o voltaria a fazer de novo. 

CG : Após uma pesquisa pela web e pela minha colecção pessoal de revistas eu não encontro nada que não os melhores adjectivos na descrição da qualidade visual de LIONHEART – visto como muitos como o detentor dos melhores gráficos no Commodore Amiga. Quais foram as tuas maiores influências para o desenho da arte conceptual e das personagens?

HN : Para o LIONHEART tive de desenhar certas coisas que eu nunca desenhei antes, por isso o LH foi como que uma escola para mim. Ainda me lembro quando vimos a demo do SHADOW OF THE BEAST e quão impressionado eu fiquei. Quando comecei com o LH sabíamos que o nosso jogo teria de produzir um início muito impressionante. Devo dizer que o Eric Simon, da Thalion, nos inspirou muito e nos levou na direcção certa para fazermos todas estas coisas estranhas.

Por exemplo, eu andei a ver alguns livros sobre anatomia humana para desenhar o Valdyn na intro do jogo. Tinha alguns livros de arte do Burne Hogarth, o primeiro artista a desenhar Tarzan e do qual aprendi muito. Olhando para os fundos e sprites eu fui muito inspirado pelo trabalho de um artista espanhol chamado Vincent Sefrelles e claro, o mestre Rodney Matthews. Olhando para o trabalho de todos estes artistas também me fez aperceber que tinha de criar, de uma forma ou de outra, o meu próprio estilo – algo que penso ter conseguido.

CG : LIONHEART parece ter alguns elementos inspirados em SHADOW OF THE BEAST. Por coincidência, ou não, acabaste por trabalhar com a Psygnosis e ajudaste a contribuir para a formação do estilo visual comum que caracterizou esse estúdio. Como é que isto aconteceu?

HN : Algumas pessoas na Psygnosis eram admiradores dos mesmos artistas que eu. Por exemplo, o Roger Dean: uma boa porção do seu artwork original foi usado em muitos jogos da Psygnosis. O famoso logótipo “coruja” da Psygnosos foi desenhado por ele. O meu estilo adaptava-se muito bem porque tinha sido inspirado pelas mesmas pessoas.

Numa pequena nota secundária, nós nunca tomámos o BEAST como um exemplo para o LH. Em vez disso, olhámos para outros jogos mais jogáveis que estavam disponíveis no catálogo da Sega Megadrive / Genesis e Super Nintendo.

CG : O mundo visual de MISADVENTURES OF FLINK é facilmente um dos mais impressionantes de qualquer sistema no seu tempo: os fundos de deixar a boca aberta, as animações fluidas e detalhadas, parallax scrolling… como foi trabalhar com a Mega Drive? Foi assim tão diferente daquilo a que estavas habituado?

HN : Não, nem por isso. Foi um passo em frente comprado com o Amiga. O hardware estava mais ou menos adaptado para o tipo de coisas que queríamos fazer, tais como hardware sprites, scrolling e flipping, etc. Apenas tínhamos quatro paletes de 16 cores de uma palete total de 512 cores na MegaDrive – se não me falha a memória.

Era como um novo brinquedo para mim, de facto, e queria tirar o máximo proveito dele. Adorava ter feito mais alguns jogos para a Mega Drive mas isso não foi possível porque entrámos nesse mercado um pouco tarde demais, infelizmente. Depois do FLINK ter sido terminado eu comecei a desenhar alguns sprites de LEMMINGS para um novo jogo de Mega Drive que acabaram por ser usados mais tarde no LOMAX da Playstation.

CG : Tal como o FLINK, LOMAX recapturou a estrutura de plataformas com visuais luxuriosos. Como é que conseguiste atingir resultados tão bons ao animar as personagens? Havia alguma técnica específica ou foi tudo o resultado de muito trabalho duro, desenhando tudo à mão?

HN : Foi tudo trabalho duro baseado na minha experiência, para ser sincero. (sorrisos) Teria feito algumas coisas de forma diferente agora, como por exemplo os fundos que tinham demasiados tons da palete de cor, o que causava muitos atrasos quando estava a desenhar os fundos. O que vale é que acabou por resultar muito bem.

Por exemplo o Cemitério do nível 2 do LOMAX demorou quase dois meses a desenhar ao pixel. Hoje em dia na Nintendo DS tenho tilesets feitos numa ou duas semanas. Foi mesmo um grande feito ter conseguido fazer um jogo como o LOMAX com apenas duas pessoas, vendo bem agora. É o jogo do qual estou mais orgulhoso – até agora.

Na verdade o nome original do Lomax era Sir Lummox. Ele era um de quatro personagens seleccionáveis que iriam aparecer no jogo. As outras três personagens foram postas de parte, juntamente com uma série animada de TV que deveria ter apoiado o lançamento do jogo. O LOMAX sofreu um grande número de alterações, podes crer.

CG : O que é que achas ser o elemento visual mais importante, o movimento e animação ou o detalhe puro dos desenhos? A verdade é que nos teus jogos podemos ver ambos.

HN : Quando me deixam desenhar gráficos à vontade, alguém tem de me parar de uma maneira ou de outra. Na maioria dos casos, uma data limite costuma servir!

De outra forma iria continuar os acertos e a adicionar mais detalhes para sempre. Também aprendi que adicionar muito pode estragar o nosso trabalho. Acho que encontrei o balanço certo agora. Essa é a beleza de criar gfx… trabalhar em algo e de repente as coisas estão lá tal como tu imaginaste. Esse momento é verdadeiramente fantástico.

De volta à tua pergunta, a maioria dos jogos em que fiz todos os gfx sozinho acabaram por ter imenso detalhe em tudo. Agora temos de partilhar a carga de trabalho porque os prazos são mesmo apertados nos dias de hoje. Sobretudo quando se está a trabalhar com material licenciado. Enquanto os gfx forem consistentes não tenho problemas com isso. Por vezes nem sequer nos cabe a nós dizer a última palavra. Nos tempos do LOMAX de dos meus outros jogos era diferente. Portanto ter um projecto original só para ti é um grande luxo. Mas tal ainda acontece por aí, o que me dá esperança.

CG : Trabalhaste com o Erwin durante muitos anos, eram só vocês os dois a fazer estes jogos todos. Porque razão se separaram?

HN : Depois do LIONHEART éramos só nós os dois e ainda assim nós éramos o núcleo principal da produção do jogo. Como disse antes, trabalhar com o Erwin foi a melhor experiência que tive no desenvolvimento de jogos. Vimo-nos um ao outro evoluir em aspectos técnicos e artísticos e isso foi muito inspirador. Na minha opinião, poderia ter demorado muito mais tempo mas depois do LOMAX tive um grande desgaste psicológico do qual não me apercebi logo. Portanto cada um de nós seguiu o seu próprio rumo. De qualquer forma estou a magicar uma série de pensamentos porreiros na minha mente neste momento, por isso estou à espera de conseguir recuperar este sentimento muito brevemente.

CG : Ainda gostas de jogar hoje em dia? Quais foram os teus favoritos naquela altura em que criaste estes jogos?

HN : Adoro jogar jogos e ainda prefiro o género de plataformas acima de tudo. Só que agora já não passo tanto tempo a jogar porque tenho uma vida diferente, completa com a minha mulher de duas filhas.

Quando andávamos a desenvolver estes jogos olhávamos muito para a Mega Drive, PC-Engine e SNES. Por exemplo, com o LIONHEART olhámos muito para o MICKEY’S MAGICAL QUEST da Mega Drive por questões de gameplay. Este jogo utilizava uma técnica de salto dinâmico que nunca tinha sido usado antes, por isso usámo-la no LH. Quanto ao FLINK acho que fui inspirado pelo jogo da CAPCOM THREE WONDERS, especialmente a parte de plataformas que tinha gfx fantásticos. Também o MICKEY MOUSE para a SNES da CAPCOM foi uma grande inspiração para mim. Com o LOMAX utilizei apenas toda a minha experiência e fantasia para desenhar e criar tudo aquilo. Outra razão pela qual este é o jogo do qual mais me orgulho.

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