O
que distingue a obra do mero produto é a existência de
uma alma e de um manifesto. Uma obra interpreta o nosso mundo, leva-nos
a interrogação, a reflexão, a pensar sobre o
que nos rodeia. Quanto mais autêntica for, melhor comunica o
seu propósito, tocando-nos no nosso íntimo mais profundo.
Raros são os videojogos que o conseguem, OKAMI
é uma dessas raridades.
Longe de preconceitos, longe do politicamente correcto vídeo
lúdico, OKAMI
transcende a tecnologia, enterrando a tão desejada alta definição
e o seu festival de Bump-Mapping. Utilizando a técnica
controversa do Cell-Shading (quem não se lembra das
petições contra THE
WIND WAKER),
OKAMI
ultrapassa sem complexos a barreira do desenho animado interactivo,
entrando no universo das estampas japonesas. Uma verdadeira explosão
de cores e de formas animadas, um quadro vivo e interactivo. O Stamp-Shading
nasceu. Clara homenagem a arte da estampa, arte que desapareceu em
proveito da fotografia e dos modos de expressão promovidos
pela cultura ocidental.
Longe de clichés, OKAMI
aborda uma temática extensa e espiritual, o xintoísmo.
Religião da comnunhão com a natureza onde tudo é
sagrado, os astres, os rios, a fauna (incluíndo o ser humano)
e a flora. A história de OKAMI
é a recitação freestyle de lendas épicas
xintoístas, lendas que podemos encontrar no Kojiki, compilação
de textos xintoístas (o equivalente xintoísta da bíblia).
Incarnamos Amaterasu Omikami, deusa do sol e divindade mais respeitada
do panteão xintoísta, reincarnada em loba.
O nosso objectivo é restaurar o lendário esplendor do
Nippon (Japão) corrompido por uma misteriosa maldição.
Uma história aparentemente simples mas cheia de sentido se
pensarmos. Uma lufada de ar fresco num panorama vídeo lúdico
que tem como únicas fontes de inspiração as obras
de Tolkien, os filmes de série B americanos, a ficção
científica e as mitologias gregas e nórdicas. Os jogos
japoneses não são excepção, a maioria
só têm de japonês a produção, inspirando-se
nas fontes supra citadas todas elas oriundas da cultura ocidental.
OKAMI
inspira-se na pura tradição japonesa, tradição
claramente rejeitada pelos próprios japoneses em proveito da
cultura ocidental, maxime americana, talvez por ser sinónima
de fracasso. Curiosamente, o xintoísmo foi religião
oficial do Japão até 1945, ano da derrota nipónica
na Segunda Guerra Mundial e início da americanização
do povo nipónico.
A
música, tipicamente nipónica, também contribui
para o ambiente. Composta essencialmente por Masami Ueda, que participou
nas bandas sonoras dos RESIDENT EVIL,
também conta com a presença de Hiroshi Yamaguchi, Akari
Groves, Rei Kondoh e de um tema, "reset", interpretado por
Ayaka Hirahara, uma cantora japonesa. Ora melancólica, épica,
ou cómica. Adequa-se aos ambientes, aos momentos, as situações.
Música e imagem formam um todo uno e coeso. Uma sinestesia,
uma fusão de sentidos. Formando uma terceira entidade, independente,
onde música e imagem formam um só corpus.
OKAMI é uma ode a natureza e portador
de uma clara mensagem ecologista. Um dos detalhes mais significativos
é o rasto de flores e plantas deixado por Amaterasu quando
se desloca. Mas o elemento mais significativo é o principal
poder de Amaterasu, a capacidade de insuflar vida a natureza corrompida,
o poder de florescimento. O jogador torna-se criador e não
destruidor, instigador de vida e não de morte como é
infelizmente habitual nas restantes produções vídeo
lúdicas.
Esse poder é accionado graças ao pincel celeste que
Amaterasu possui. Utilizando-o, a acção para e o ambiente
é transformado numa estampa bidimensional a preto e branco,
na qual podemos pintar e interagir com o cenário. Podemos,
além do já referido poder de florescimento, controlar
os elementos, criar pontes, bombas, pintar o sol para alvorecer, a
lua para anoitecer, controlar o vento, criar nenúfares. Um
sistema que estimula grandemente a nossa imaginação.
Apesar de se inspirar fortemente na mítica saga ZELDA,
OKAMI não é uma mera cópia.
A grande originalidade do título da Clover reside precisamente
no sistema do pincel celeste que possui Amaterasu. A Capcom soube
aproveitar a experiência adquirida no desenvolvimento de episódios
portáteis da saga ZELDA sem cair
no erro da cópia e sem complexos contribuiu para a renovação
do género.
O único eventual ponto negativo do quadro que é OKAMI
são os numerosos e longos diálogos que poderá
entediar os menos sensíveis ou quem não tiver fascínio
pela temática abordada.
Em conclusão, OKAMI restaura num
instante todo o lendário esplendor do Nippon corrompido pela
cultura ocidental, mostrando que a cultura japonesa não se
limita ao Anime e, paradoxalmente, aos videojogos.
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Hideki Kamiya
é um antigo empregado da CAPCOM e antigo membro da Clover
que agora integra o novo estúdio fundado por Atsushi
Inaba, Seeds. Criador de jogos como Resident Evil 2,
Devil May Cry e Viewtiful Joe, é interessante
constatar que Hideki Kamiya é um grande apologista da
acção. Criticado por Shinji Mikami precisamente
por ter implementado demasiada acção no segundo
episódio da saga Resident Evil, Hideki Kamiya
é um realizador que dá claramente primazia a acção.
Sendo curioso e interessante ver como foi capaz realizar um
jogo tão contemplativo e sensível como o Okami.
Um game designer cheio de surpresas.
Okami foi desenvolvido pelo estúdio da CAPCOM
Clover Studio, composto pela elite da editora japonesa com nomes
como Atsushi Inaba, Shinji Mikami e Hideki Kamiya. Devido aos
fracos resultados comerciais das suas produções,
o estúdio foi encerrado em Março de 2007. Um triste
reflexo da realidade. Felizmente, uma parte dos membros formaram
um novo estúdio independente chamado Seeds. Atsushi Inaba,
Shinji Mikami, Hideki Kamiya e o talentoso compositor Masami
Ueda estão de novo reunidos. A COREGAMERS está
curiosa de ver o que nos reserva esse estúdio. Podem
ficar descansados que acompanharemos este estúdio de
perto. http://www.seeds-inc.jp/
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