OKAMI
O LENDÁRIO ESPLENDOR NIPÓNICO
PERDIDO



COREgaming - 29 / 05 / 07

 

O que distingue a obra do mero produto é a existência de uma alma e de um manifesto. Uma obra interpreta o nosso mundo, leva-nos a interrogação, a reflexão, a pensar sobre o que nos rodeia. Quanto mais autêntica for, melhor comunica o seu propósito, tocando-nos no nosso íntimo mais profundo. Raros são os videojogos que o conseguem, OKAMI é uma dessas raridades.

Longe de preconceitos, longe do politicamente correcto vídeo lúdico,
OKAMI transcende a tecnologia, enterrando a tão desejada alta definição e o seu festival de Bump-Mapping. Utilizando a técnica controversa do Cell-Shading (quem não se lembra das petições contra THE WIND WAKER), OKAMI ultrapassa sem complexos a barreira do desenho animado interactivo, entrando no universo das estampas japonesas. Uma verdadeira explosão de cores e de formas animadas, um quadro vivo e interactivo. O Stamp-Shading nasceu. Clara homenagem a arte da estampa, arte que desapareceu em proveito da fotografia e dos modos de expressão promovidos pela cultura ocidental.

Longe de clichés,
OKAMI aborda uma temática extensa e espiritual, o xintoísmo. Religião da comnunhão com a natureza onde tudo é sagrado, os astres, os rios, a fauna (incluíndo o ser humano) e a flora. A história de OKAMI é a recitação freestyle de lendas épicas xintoístas, lendas que podemos encontrar no Kojiki, compilação de textos xintoístas (o equivalente xintoísta da bíblia). Incarnamos Amaterasu Omikami, deusa do sol e divindade mais respeitada do panteão xintoísta, reincarnada em loba.

O nosso objectivo é restaurar o lendário esplendor do Nippon (Japão) corrompido por uma misteriosa maldição. Uma história aparentemente simples mas cheia de sentido se pensarmos. Uma lufada de ar fresco num panorama vídeo lúdico que tem como únicas fontes de inspiração as obras de Tolkien, os filmes de série B americanos, a ficção científica e as mitologias gregas e nórdicas. Os jogos japoneses não são excepção, a maioria só têm de japonês a produção, inspirando-se nas fontes supra citadas todas elas oriundas da cultura ocidental.
OKAMI inspira-se na pura tradição japonesa, tradição claramente rejeitada pelos próprios japoneses em proveito da cultura ocidental, maxime americana, talvez por ser sinónima de fracasso. Curiosamente, o xintoísmo foi religião oficial do Japão até 1945, ano da derrota nipónica na Segunda Guerra Mundial e início da americanização do povo nipónico.

A música, tipicamente nipónica, também contribui para o ambiente. Composta essencialmente por Masami Ueda, que participou nas bandas sonoras dos RESIDENT EVIL, também conta com a presença de Hiroshi Yamaguchi, Akari Groves, Rei Kondoh e de um tema, "reset", interpretado por Ayaka Hirahara, uma cantora japonesa. Ora melancólica, épica, ou cómica. Adequa-se aos ambientes, aos momentos, as situações. Música e imagem formam um todo uno e coeso. Uma sinestesia, uma fusão de sentidos. Formando uma terceira entidade, independente, onde música e imagem formam um só corpus.

OKAMI é uma ode a natureza e portador de uma clara mensagem ecologista. Um dos detalhes mais significativos é o rasto de flores e plantas deixado por Amaterasu quando se desloca. Mas o elemento mais significativo é o principal poder de Amaterasu, a capacidade de insuflar vida a natureza corrompida, o poder de florescimento. O jogador torna-se criador e não destruidor, instigador de vida e não de morte como é infelizmente habitual nas restantes produções vídeo lúdicas.

Esse poder é accionado graças ao pincel celeste que Amaterasu possui. Utilizando-o, a acção para e o ambiente é transformado numa estampa bidimensional a preto e branco, na qual podemos pintar e interagir com o cenário. Podemos, além do já referido poder de florescimento, controlar os elementos, criar pontes, bombas, pintar o sol para alvorecer, a lua para anoitecer, controlar o vento, criar nenúfares. Um sistema que estimula grandemente a nossa imaginação.

Apesar de se inspirar fortemente na mítica saga ZELDA, OKAMI não é uma mera cópia. A grande originalidade do título da Clover reside precisamente no sistema do pincel celeste que possui Amaterasu. A Capcom soube aproveitar a experiência adquirida no desenvolvimento de episódios portáteis da saga ZELDA sem cair no erro da cópia e sem complexos contribuiu para a renovação do género.

O único eventual ponto negativo do quadro que é OKAMI são os numerosos e longos diálogos que poderá entediar os menos sensíveis ou quem não tiver fascínio pela temática abordada.

Em conclusão, OKAMI restaura num instante todo o lendário esplendor do Nippon corrompido pela cultura ocidental, mostrando que a cultura japonesa não se limita ao Anime e, paradoxalmente, aos videojogos.


 

Hideki Kamiya é um antigo empregado da CAPCOM e antigo membro da Clover que agora integra o novo estúdio fundado por Atsushi Inaba, Seeds. Criador de jogos como Resident Evil 2, Devil May Cry e Viewtiful Joe, é interessante constatar que Hideki Kamiya é um grande apologista da acção. Criticado por Shinji Mikami precisamente por ter implementado demasiada acção no segundo episódio da saga Resident Evil, Hideki Kamiya é um realizador que dá claramente primazia a acção. Sendo curioso e interessante ver como foi capaz realizar um jogo tão contemplativo e sensível como o Okami. Um game designer cheio de surpresas.

Okami foi desenvolvido pelo estúdio da CAPCOM Clover Studio, composto pela elite da editora japonesa com nomes como Atsushi Inaba, Shinji Mikami e Hideki Kamiya. Devido aos fracos resultados comerciais das suas produções, o estúdio foi encerrado em Março de 2007. Um triste reflexo da realidade. Felizmente, uma parte dos membros formaram um novo estúdio independente chamado Seeds. Atsushi Inaba, Shinji Mikami, Hideki Kamiya e o talentoso compositor Masami Ueda estão de novo reunidos. A COREGAMERS está curiosa de ver o que nos reserva esse estúdio. Podem ficar descansados que acompanharemos este estúdio de perto. http://www.seeds-inc.jp/

 

 

 

 
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