REZ
ART ALIVE



COReplay - 28 / 05 / 07

 

A difícil tarefa de começar um texto: escrever a frase que o estabeleça. Torna-se tudo ainda mais complicado quando se pretende falar de um jogo como REZ, a obra-prima de Tetsuya Mizuguchi e da sua United Game Artists, lançado numa época de declínio da SEGA que culminou na mediática decisão de encerrar as portas às divisões de criação de hardware e à eventual reestruturação de toda a disposição empresarial.

Originalmente concebido para a Dreamcast sob o nome de Project "K", REZ possui um mundo próprio com personagens anónimas, como a nossa. A história é sucinta e simplesmente composta do essencial para conferir à experiência de jogo um sentido. Um sistema que impõe barreiras ao seu núcleo - representado por uma entidade feminina. A nossa personagem surge do vazio: pura informação capaz de interagir com os demais blocos de informação, evoluir e exprimir novas capacidades. Contudo é no jogar que a experiência reside, um misto de música e formas, cores e vibrações que compõe a mais complexa e emocionante sinestesia alguma vez percepcionada num jogo de vídeo.

Áudio e vídeo tomam o lugar da narrativa, assumem um protagonismo reforçado pelas artes aqui recriadas: cada cenário é composto de formas arquitectónicas elaboradas que remetem a alguns dos estilos mais canónicos desde o antigo Egipto à Mesopotâmia, passando pela China e Índia. A sua recriação é feita mediante linhas, formas geométricas, manchas de cor e luzes, são uma sentida e assumida inspiração nas regras geométricas de Kandinsky. Reconhecem-se as suas linhas, ora rectas ora sinuosas, assim como o cuidado posicionamento dos volumes e texturas em harmonia recíproca.

Cada edifício é um traço provisório, susceptível de se alterar com o desbloqueamento de mais um sector. Percorremos o espaço virtual rumo a uma inédita lição sobre evolução, humanidade e o nosso próprio planeta. Sentimo-nos parte de um sistema, de um produto informático e ao mesmo tempo um elemento natural: Mizuguchi faz a ponte entre tecnologia e biologia, apontando para um futuro trans-humano e orientado para o Cosmos.

São inegáveis as referências à infância do desenho computorizado, em wireframe, do 3D inicial, e das suas aplicações em formatos multimédia e no cinema - são igualmente identificáveis as alusões a TRON e à sua pioneira representação visual do interior de um sistema informático. REZ é também uma homenagem aos primórdios dos videojogos: clássicos intemporais como TEMPEST, de David Theurer, STAR WARS, a versão arcade de 1983 lançada pela Atari, o próprio BATTLEZONE ou mesmo SPACE HARRIER demonstram ter sido uma grande inspiração para os seus visuais manifestamente retro. No que concerne à jogabilidade, PANZER DRAGOON é consensualmente o jogo mais aproximado e de onde o título da U.G.A. extrai o sistema de navegação com uma mira, o lock-on limitado a um número de objectos ou mesmo o ataque automático Overdrive - ataque Berserk no título da Team Andromeda.

O ritmo das músicas é imparável e evolui à medida que desbravamos o caminho por entre os diversos sectores do sistema que percorremos num bailado techno de interacções entre a nossa personagem e os demais objectos - também eles em sincronia com o tempo musical na forma como surgem e desaparecem do nosso campo de visão.

A temática por detrás da obra de Mizuguchi é difícil de descortinar. O jogo possui uma linguagem muito própria, quase não contendo texto ou cenas intermédias para explicar/contextualizar os acontecimentos. Contudo, é neste precisamente nesta mudez que se estabelecem as armações que o suportam, com temáticas elaboradas e provocatórias, cripticamente expostas sobretudo na quinta, e final, fase do jogo. Neste nível acompanharemos a evolução da vida na Terra, ainda que de forma convenientemente abreviada, desde as espécies mais tímidas que ocupavam as profundezas dos nossos oceanos, até ao ser humano e a sua arte, história ciência. É uma convicta ode à tecnologia. Não uma visão da tecnologia como ameaça ao Homem, ou como um instrumento do caos e da desordem: a tecnologia é aqui visionada como o canal para que o homem se conheça a si mesmo, o caminho entre o Homem, desconhecedor da sua origem, e a sua criação, a eternidade. De encontro às suas raízes. Conceito que se torna paradoxal considerando que a tecnologia é uma criação da Humanidade.

À descoberta do Homem, à descoberta do nosso mundo e do nosso futuro. É essa a experiência de REZ, um dos mais flagrantes exemplos de arte nos videojogos e cuja recepção no mercado traça um detalhado, porém amargo, perfil da generalidade dos seus consumidores.

 

 

Um renascimento dos gráficos vectoriais, neste mundo outrora dominado pelos gráficos raster.

Dois guardiões assinalam a passagem para a fase de combate contra o Boss.

São inegáveis as semelhanças a Tron.

Tetsuya Mizuguchi integrou a AM3 no início da sua carreira na SEGA, onde criou jogos como Sega Rally Championship e Manx TT. Em 1996 deixou esta divisão para criar a AM Annex, mais tarde AM9, para criar mais um punhado de jogos arcade: Sega Rally 2 e Sega Touring Car Championship. Esta secção, por sua vez, iria transformar-se na mítica United Game Artists, responsável por este Rez, assim como Space Channel 5 e Space Channel 5: Part 2.

Numa entrevista, Mizuguchi referiu que a sua admiração pelos videojogos começou pelo seu fascínio por um jogo em específico: Pong. É possível que Rez tenha nascido do retorno às essências videolúdicas, fortemente marcadas pela filosofia arcade que o game designer assimilou na SEGA.

Todas as sequências sonoras são resultado de remixes de músicos de renome- no âmbito deste género musical - como Ken Ishii, Jojouka, ou Adam Freeland. Os efeitos sonoros são responsabilidade da Wave Master, antiga Digital Media, uma divisão SEGA especializada em música e sound design.

Por muitos Rez é considerado um jogo invulgar pela forma como recorreu a um estilo visual retro, numa época em que a generalidade dos videojogos se pautava pelo uso cada vez mais cuidado de texture mapping e derivados. Todo o seu aspecto parte de um conceito corrente nos finais da década de 70, inícios de 80, em que o interior de um computador seria um espaço obscuro guiado por linhas coloridas e formas geométricas elementares. Este conceito atingiu o seu expoente máximo em 1982 quando a Disney lançou o filme Tron, de Steven Lisberger.

No Japão foi lançado um acessório dedicado à versão Playstation 2 de Rez, com o sugestivo nome Rez Vibrator. Conotações impróprias à parte, trata-se hoje de um item de coleccionador que, inexplicávelmente, também é compatível com o jogo S.O.S. The Final Escape da Irem.

Para mais informações é favor visitar o meu site Rez - The Ultimate Audiovisual Experience.

 

 

 

 
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