SMARTBOMB,
de Heather Chaplin e Aaron Ruby, é uma investigação
jornalística que procura encontrar a fórmula por detrás
de todo este sucesso comercial e empresarial, mais propriamente no
âmbito da indústria norte-americana. Quais são
as razões deste boom? Quem são os criadores, os responsáveis?
E, finalmente, qual é o público destas tecnologias?
Muitas
alterações surgiram desde o modelo primitivo da indústria.
Nos anos 70 e 80, começava-se já a discutir a importância
que os engenheiros e criativos por detrás dos produtos que,
lentamente, ocupavam um espaço de destaque nas prateleiras
das lojas de brinquedos e clubes de vídeo. Estamos, certamente,
longe dos dias em que o rótulo da companhia era suficiente
para determinar o que é um bom jogo: ainda que nem todos se
preocupem com o esforço humano por detrás de cada jogo,
é inegável que quer a imprensa quer o próprio
mercado começam a abundar em referências a determinados
designers. Neste livro dá-se um grande protagonismo a esse
ofício e alguns dos mais emblemáticos ícones
desde a velha guarda, como Shigeru Miyamoto, até aos mais recentes
fenómenos como Cliffy B. - na altura em que o livro foi escrito
o seu maior sucesso, GEARS OF WAR, ainda
estava em fase de pré-produção e no já
era considerado uma esperança do game designing americano.
Ainda
que não possa ser considerado como uma falha propriamente dita,
pois é uma característica inevitável do mercado
aqui estudado, a escolha dos temas deixa algo a desejar para o leitor
mais exigente. São abordados com grande destaque os géneros
mais óbvios: MMORPG e as interacções entre membros
das comunidades; os FPS e uma competição em Dallas onde
jogadores vindos de todo o mundo se reúnem em equipas para
disputar o prémio, um cheque no valor de milhares de dólares.
São eventos populares, são acontecimentos já
publicitados e sobre os quais podemos questionar se vale a pena tratá-los
com a profundidade e seriedade que se espera de uma publicação
literária.
Torna-se
curioso observar o quanto o modelo de mercado europeu se começa
a aproximar do americano. Cada vez mais os jogos online são
uma preferência para o consumidor europeu. Isso torna-se evidente
quando tomamos conhecimento que, não obstante da maior participação
de jovens americanos na maratona FPS em Dallas, as equipas finalistas
eram quase todas norte-europeias. Promove-se e alimenta-se a cultura
do jogo fácil, da socialização através
dos videojogos, em detrimento dos modelos de jogo mais clássicos
e nobres. Será que ainda ninguém percebeu que a mundivivência
é estritamente necessária para que possamos desfrutar
da arte? Todo o livro levanta essa questão sem a colocar, directamente.
No entanto é quase impossível evitar que estas perguntas
não permaneçam na nossa mente, associadas a um silencioso
sentido de revolta contra a filosofia tão popular de recriar
ideias e conceitos repetidamente e em série.
Também
os jogadores são objecto de estudo, em casos específicos
e de excelente poder descritivo. Acompanhamos pessoas normais, com
empregos, vida social, mas que partilham o gosto e a grande dedicação
aos jogos - aspecto que seria assaz fascinante, ou não acompanhássemos
um grupo de dependentes de COUNTERSTRIKE
e RUBI-KA, ambos jogos online e ambos
jogos fortemente alienantes. É difícil compreender se
de facto a escolha dos temas foi arbitrária, se foi cuidadosamente
pensada. O título do livro menciona tanto o lucro como a arte
como componentes desta forma de entretenimento. Todavia quase só
encontramos exemplos da primeira e, excepto o capítulo sobre
Miyamoto e algumas secções soltas, quase nada sobre
arte nos videojogos. São temas fortemente debatidos na actualidade,
é verdade, mas até que ponto é que nos podemos
dar ao luxo de dissecar as relações emocionais entre
dois jogadores de um passageiro MMORPG quando existem tantos outros
temas pendentes nesta área e de uma urgência exponencialmente
maior? Por mais completas que sejam, não são este tipo
de descrições que vão ajudar os videojogos a
afirmarem-se.
Existe
alguma ambiguidade quanto às verdadeiras intenções
dos autores. Torna-se claro após algumas páginas que
lhes falta verdadeira formação dentro do universo dos
videojogos e isso está patente nos erros e lacunas flagrantes
da primeira edição do livro, convenientemente corrigidas
para a segunda edição. É inegável que
o texto se encontra escrito com o profissionalismo e rigor jornalístico,
o seguimento dos capítulos é natural e é notável
a contraposição entre textos distintos num mesmo capítulo
- enquanto se descreve a convenção de first person shooters
em Dallas fazem-se várias pausas para contar a história
de John Carmack, pai do género. Este aspecto revela talento
e salva um capítulo que, de outra forma, merecia ser omitido
ou ignorado.
A
maior utilidade do livro acaba por ser o facto de consistir numa fonte
de informação sobre a grande fatia do mercado e público
de videojogos que aprendemos a repudiar. Não há forma
de a ignorar e já que este site evoca um espírito contrastante
a esta maré, é adequado munir-nos de argumentos lógicos
e fundamentados para assinalar o nível da acção
prejudicial que toma conta da nossa forma de arte e entretenimento
predilecta.
Por
mais que entristeça os jogadores de raiz, há que consentir
que esta é a realidade actual e que não há nenhuma
fórmula simples para reverter o processo. É inclusivamente
possível que tenha sido sempre esta a realidade desde o início.
Porém, poucos ou nenhuns puderam prever que o fenómeno
de expansão dos videojogos significasse simultaneamente a banalização
e estandardização da mediocridade.