SOS
THE FINAL ESCAPE

ÊXODO



COReplay - 20 / 08 / 07

 

Situações de perigo extremo aproximam as pessoas, tornam um grupo mais coeso e ressalvam o que há de melhor em cada um de nós, individualmente. SOS THE FINAL ESCAPE desenvolve, na sua própria ficção, a ideia de que o instinto de sobrevivência não se sobrepõe necessariamente à demonstração sincera de altruísmo. Presos num terramoto em Stiver Island, Keith, um repórter novato, resgata Karen, uma cidadã local. Juntos vão procurar uma saída das várias situações de perigo extremo que surgem incessantemente. A cidade é um deserto caótico e labiríntico de destroços por onde o jogador procura uma saída - na realidade não mais do que uma porta para uma nova ameaça à nossa integridade como seres virtuais.

A solidão da nossa demanda, rumo ao interior da ilha, é dissipada pela nossa frágil acompanhante: a partir do momento em que a encontramos passamos a ser o seu guardião e é o nosso dever zelar pela sua segurança e bem-estar. Desde cedo se prevê uma relação amorosa entre os dois personagens, esquecidos pelo mundo, ainda que tal apenas se manifeste de forma muito subliminal, uma solução inteligente e acertada da pequena equipa da IREM.

A mecânica de jogo é efectivamente muito simples e até, ocasionalmente, simplificada. À semelhança de outros jogos de exploração tridimensionais, o nosso personagem pode deambular pelos espaços livremente, compará-los com os mapas e procurar um caminho. Por vezes, existe a possibilidade de seguir diferentes rumos, aspecto que se traduz na pluralidade de situações possíveis - incrementando o valor de repetição da aventura - e de desfechos. Ao longo do nosso percurso encontraremos algumas personagens: alguns cuja salvação está ao nosso alcance, outros cujo destino ficou selado com este desastre. É dado ao jogador o poder de alterar alguns aspectos da narrativa ainda que outros sejam fixos e irreversíveis. A morte, como tema, é aqui abordado de forma assaz dramática, pela forma intensa como o jogo explora a incapacidade, deliberadamente equacionada, do jogador prevenir a ocorrência de algumas fatalidades. Como se da própria realidade sórdida se tratasse, cabe ao jogador assimilá-la e prosseguir na sua própria salvação, rumo ao interior da ilha.

É incompreensível como um jogo com esta dimensão emocional e características únicas tenha sido ignorado por completo pelo público ocidental e oriental. Certamente se trata de uma pequena produção, um projecto singular e que, em certos momentos, implora maiores valores de produção ou controlo de qualidade. Todavia, trata-se claramente um projecto despretensioso que aponta para um valor de comercialização inferior ao da maioria dos jogos e que acaba por superar, inclusivamente no departamento técnico, algumas das chamadas produções relevantes, comercializadas a preços injustos e ofensivos. O tratamento visual é francamente ligeiro e no entanto supõe um aproveitamento compreensivo de alguns dos efeitos e requintes inicialmente possíveis na sua plataforma. Os blocos interactivos, ou secções da cidade, estão representados com algum detalhe e existe muito espaço para explorar. Mais surpreendente é o vislumbre caótico da cidade em ruínas, um excepcional pano de fundo que causa vertigem e horror.

Convém referir que Stiver Island é, não coincidentemente, uma ilha artificial, numa possível referência à obra controversa do aeroporto internacional de Kansai, na baía de Osaka. A ilha virtual de THE FINAL ESCAPE consiste de uma estrutura bem mais complexa, justamente, na medida em que suporta toda uma cidade amplamente populada. Não é de excluir que o conceito de base para o jogo possa ter originado a partir de um temor não admitido que perdura em muitas das zonas do Japão actual, um país frequentemente vitimado por catástrofes naturais. Todavia, o epicentro da intricada trama do jogo - ressalvo que a exposição narrativa nem sempre é a mais adequada - reside numa conspiração que deixa o jogador balançar entre duas explicações possíveis para o desastre. O trágico evento, que num primeiro olhar parece tomar forma a partir dos improváveis acasos da natureza, perfila-se na verdade como um incidente cuidadosamente planeado e intencional.

São claras as frentes por onde se tentou diversificar a experiência de jogo. O nosso personagem pode equipar toda uma gama de acessórios que mudam o seu aspecto físico. As suas roupas e alguns dos adereços vão-se degradando com o passar do tempo. Em determinadas ocasiões, os personagens fazem uso de meios de transporte, como um barco improvisado ou uma bicicleta, uma iniciativa que expande largamente os limites da jogabilidade. A sua essência, contudo, reside na avaliação dos espaços e da procura por um caminho por onde progredir entre a cidade em escombros, processo que chega a desafiar a lógica e a paciência. Por vezes, o rumo também é decidido através de decisões simples como eleger qual a direcção por onde seguir, ou em certos momentos mais determinantes na esquematização da narrativa, qual das restantes personagens acompanhar.

Uma constante a toda a aventura é o elemento da água, símbolo de recuperação e salvaguarda. Sempre que o personagem encontra uma fonte de água potável, seja ela uma torneira numa casa de banho ou uma boca de incêndio, é possível salvar a partida, beber água para recuperar a nossa energia ou mesmo armazená-la em garrfas para consumir em qualquer altura. Curiosamente, o número de itens que podem ser transportados é restrito, factor que implica uma constante necessidade de tomar de decisões sobre quais os objectos com que o jogador vai querer permanecer e os que vai preferir descartar.

Não existe nenhuma razão plausível para que não se estabeleça, desde já, que SOS apresenta mais do que uma tímida homenagem a ICO: o cenário insular, a existência de uma acompanhante feminina autónoma e a recriação do símbolo primordial da obra de Fumito Ueda, a união entre personagens materializada pelo acto de dar as mãos. Todos estes aspectos são compartilhados pelo jogo da IREM, não como uma forma de plágio descarada ou insubordinada, mas sim como uma homenagem sentida, no âmbito de um jogo valioso e original por mérito próprio. SOS THE FINAL ESCAPE oferece uma experiência única e breve que dificilmente será esquecida por aquele que a souber apreciar. É uma das mais sólidas provas de vida dos pequenos estúdios e o testemunho de que a imaginação não se subalterniza devido a imposições técnicas ou moderações orçamentais.


 

SOS The Final Escape, também chamado Disaster Report e Zettai Zetsumei Toshi nos Estados Unidos e Japão, é editado na Europa pela Agetec, um nome conhecido por ter abastecido pequenos nichos de mercado ocidentais com alguns jogos japoneses de pequeno orçamento. Exemplo disso são Kuon, Ring of Red e a alguns episódios da saga King of Fighters.

Apesar do insucesso do jogo, a equipa da IREM voltou a investir numa produção que é vista como sequela espiritual deste jogo, conhecida no mercado ocidental por o título de Raw Danger. O jogo volta a acompanhar uma história de dois jovens, vítimas de uma cheia que interrompe um banquete.

Para além da linha da cidade, um cenário de prédios caídos e de ruína, outro dos elementos visuais mais trabalhados do jogo é precisamente a água. Esta é representada tanto como um elemento ameaçador (correntes violentas, ondas, uso da água como uma arma contra mecanismos, etc.) como símbolo de segurança (save points e recuperação de energia). O próprio facto da animação do personagem a beber àgua ser deliberadamente longa e recorrente assim como a possibilidade de encontrar garrafas para a armazenar para mais tarde consumir/oferecer são uma forma de elogio ao uso e preservação desta substância tão preciosa.

 

 

 

 
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