Belo e misterioso: assim se
pode descrever TOMB RAIDER, um dos mais
ambiciosos videojogos alguma vez produzidos. Decorria o ano de 1996
quando o público veio a descobrir aquele que se viria a tornar
o mais célebre dos ícones femininos dos videojogos,
Lara Croft (originalmente, Lara Cruz) a criação apaixonada
de Toby Gard. Destinado ao sucesso, o produto ganhou autonomia, levando
o seu criador a aperceber-se de que era impossível travar a
marcha da máquina comercial que a sua criação
tinha gerado: Gard abandonou a Core Design antes mesmo da pré-produção
de TOMB RAIDER II. A imagem da atraente
exploradora de túmulos de sotaque britânico, inteligente,
ágil e determinada foi substituida por a de um manequim que
figurava em pósteres, capas de revista e até filmes
de Hollywood. Eventualmente, todo este marketing de mau gosto
denegriu a própria reputação do jogo.
No entanto, foram
necessários vários jogos para que a Core se apercebesse
de que não basta reinventar o mesmo conceito incessantemente
de forma a agradar os seguidores da série. A criatividade necessária
para suportar o peso deste tremendo sucesso perdeu-se algures entre
o jogo original e as sequelas. O público foi categórico
na forma como renegou aos últimos capítulos das crónicas
de Lara e a decisão de readmitir Toby Gard, assim como a de
passar o projecto para a mão de uma companhia mais talentosa,
surtiu os seus efeitos. Apesar de ser um jogo curto e em muitas secções
defeituoso, TOMB RAIDER LEGEND recapturou
alguma da genialidade do primeiríssimo título, inaugurando
toda uma nova jogabilidade, motor gráfico e apresentando-nos
uma Lara Croft actualizada pela mão do seu criador.
Todavia é com Anniversary
que todo o trabalho efectuado em 2005 se torna realmente compensador.
Este título, a início um suposto rumor, tornou-se quiçá
o mais importante desde o jogo original, criado 11 anos antes. Mais
do que um remake, TOMB RAIDER ANNIVERSARY
é um elogio a um dos melhores jogos de sempre e um dos favoritos
do público, na forma apaixonada como recria uma das mais épicas
aventuras que o mundo dos videojogos pôde conhecer.
O verdadeiro fio condutor
deste jogo reside na suave transição entre secções
de acção e os momentos de paragem em que observamos
qual o ponto pelo qual vamos abordar o nível. Se o jogo original
era complexo, em grande parte devido à nossa inaptidão
para explorar a liberdade de mundos verdadeiramente tridimensionais,
Anniversary equilibra-se entre a dificuldade de alguns puzzles e a
fluidez de jogo: Lara inaugurou o género de aventura e acção
3D, fortemente baseado nas secções de plataformas
de PRINCE OF PERSIA (1989),
e continua a ser invicta neste terreno. O planeamento da área
de jogo não passou por uma mera actualização
mas sim por uma quase completa reformulação mecânica.
Por outro lado denota-se um grande respeito pelas soluções
estilísticas da primeira entrega, que aqui foram adaptadas
aos volumes mais orgânicos e à movimentação
livre da personagem que o hardware agora permite. Onde os diversos
níveis eram fragmentos da crónica de Lara, processada
num 3D primitivo - mas arrojado - agora encontramos uma surpreendente
conexão entre níveis onde é quase imperceptível
qualquer transição.
Dito isto, não se pode
deixar de mencionar a sua beleza gráfica, uma reinvenção
inspirada e minuciosa dos níveis do jogo original que surpreende,
progressivamente, os verdadeiros conhecedores dos cantos e recantos
das diversas localizações. Com esta nova entrega é
possível vislumbrar uma nova dimensão espacial que nos
tinha sido ocultada até agora: o céu era simplesmente
inexistente em 96 devido a insuficiências do motor gráfico.
Talvez por essa razão esta nova aventura esteja repleta de
aberturas para o céu e para a luz que rompe cada janela, cada
clareira.
Para conferir maior diversidade
ao gameplay, a Crystal Dynamics adoptou alguns engenhos de
Legend, ainda que o uso de armas não tenha totalmente optimizado.
O novo sistema de lock-on é uma adição
desnecessária para um jogo onde os encontros com inimigos verdadeiramente
desafiantes são raros e pouco apelativos. A essência
de TOMB RAIDER habita no desejo do jogador
- nunca tão activo - se aprofundar pelos níveis, de
temer cair de grandes alturas, de calcular, nervosamente, o próximo
salto enquanto se sente assoberbado pela dimensão e singularidade
de cada novo lugar visitado. E é precisamente nesta deambulação
pelos cenários, no contacto com os espaços míticos
que habita o espírito de exploração e aventura
que são características de TOMB
RAIDER.
Todas as secções
lendárias do jogo original marcam aqui a sua presença,
desde o Túmulo de Qualopec até ao desafio de Saint Fancis Foley,
aqui com uma genial variação na secção
de Poseidon. Os níveis do Egipto, certamente os mais memoráveis
da primeira aventura, foram mantidos na sua íntegra e inclusivamente
melhorados, aspecto demonstra o trabalho imaginativo por detrás
do desenho de cada mecanismo, de cada interacção. É
extremamente gratificante comprovar que existem momentos inteiramente
dedicados aos jogadores que acompanharam de perto o jogo original,
mesmo que TOMB RAIDER ANNIVERSARY seja
um jogo universal e acessível a qualquer um, independentemente
das suas passadas experiências com os videojogos.
Já a excelsa banda
sonora que acompanhou todos os que experimentaram o original se esvaneceu,
incompreensivelmente, entre os sons de ambiente de Troels B. Folmann.
O tema original persiste, agradavelmente recapturado, contudo exigia-se
algo mais etéreo e memorável como pudemos ouvir no passado
- temas de tal força expressiva nunca deveriam ter sido excluídos.
Um desrespeito pelo valor real do acompanhamento musical no jogo somente
compensado pela sua sonoplastia, aspecto que reforça a intensidade
e credibilidade deste entorno. Outro ponto em que não se verificou
nenhuma evolução foi o guião que, claramente,
não sofreu qualquer melhoria substancial.
Não obstante, TOMB
RAIDER não se serve da trama como elemento principal:
tudo não passa de um pretexto para poder visitar localizações
remotas. O artefacto que Lara procura, Scion of Atlantis, é
um mero símbolo que facilmente se dissipa na mente do jogador,
abstraído na adversidade e solidão da experiência.
O instinto de sobrevivência, o deleite de superar cada obstáculo
são os derradeiros desafios e, em simultâneo, os prazeres
que esta magnífica aventura oferece.