Na
vasta e diversificada literatura existente sobre videojogos, é
difícil discernir entre aquela que aborda temas originais e
inovadores e aquela que se limita a reimprimir ideias que outros,
por sua vez, instauraram. TRIGGER HAPPY,
de Steven Poole, é o perfeito exemplo de que nem sempre é
necessário contextualizar o leitor com mais lições
de história dos videojogos - até porque já existem muitas outras
fontes literárias a fazê-lo
- para tornar este exercício mais aprazível. Este é
um texto que pretende atingir uma certa universalidade e que apresenta uma
perspectiva verdadeiramente analítica de um assunto tantas
vezes tratado com escárnio ou despego.
A
introdução não poderia ser mais cativante. Poole
explica-nos o seu percurso pelos jogos, os primeiros contactos com os computadores
domésticos, nomeadamente o Spectrum, como os jogos deixaram de estar
na sua principal esfera de interesses e como ele, a par de muitos
outros ávidos jogadores de outrora, foram resgatados pela geração
32-Bit - ou o fenómeno Playstation. Desde logo
nos apercebemos que este é um livro extremamente pessoal onde
teremos acesso a reflexões íntimas e profundas sobre
a experiência única do gameplay que só os videojogos
oferecem. O autor não se apresenta como um especialista, um
historiador dos videojogos. Tão apenas se vai concentrar nas
experiências vividas ao longo da sua vida, sinceras e emocionantes,
ainda que através de um dos mais ousados exercícios
teóricos existentes.
Ao
longo dos capítulos reencontramo-nos com os objectivos por
detrás de cada género videolúdico assim como
as interacções entre jogos e o público, as suas
reacções e repercussões naqueles que criam os
jogos. Todavia o aspecto mais distinto de TRIGGER
HAPPY são as constantes análises
à semântica dos videojogos - Poole é incessante
nas suas sondagens à lógica dentro da realidade de cada
espaço de jogo. É surpreendente a forma como compreendemos
que até os jogos mais elementares e populares possuem frequentes
mensagens formais. Como que expostos a uma revelação,
reconhecemos os ícones e símbolos dentro dos videojogos
como canais de mensagens, algumas verdadeiramente poderosas ainda
que frequentemente ignoradas. Como em qualquer outra forma de expressão
artística, também os videojogos partilham um tempo para
a pura abstracção do mundo real, para o prazer, e outro
para a assimilação da informação neles
contida: o perfeito exemplo da fusão entre arte, media e indústria.
Contudo
o próprio limite dos conhecimentos de Poole sobre os videojogos
e a sua história, a par de oferecer uma base sólida
para explorar aspectos inesperados e absolutamente originais nesta
temática, também se impõe como uma forte limitação
aos horizontes do texto: o livro debate-se sobre um reservado número
de jogos que o autor conhece, o que abre alguma margem para erros
e más concepções. Trata-se da clássica
imagem da espada de dois gumes: a ligação recentemente
reactivada com os jogos de video é um ponto ideal para opiniões
alternativas mas é, inevitavelmente, afectada pela baixa cultura
e índice de referências video lúdicas, só
compensadas pela cultura geral do autor.
Somando
as partes, a experiência que este livro oferece é extremamente
positiva. Mesmo que muito tenha ficado por explorar - quem sabe, num
próximo texto - TRIGGER HAPPY
é um exemplar ponto de partida para um novo estádio
na forma como observamos uma das formas de arte mais rentáveis
e abundantes em conteúdos que alguma vez se conheceu.